15.2.11

A ver os eléctricos


In http://jpn.icicom.up.pt/imagens/cidade/electrico_porto_2.jpg
Ali ao lado: dissertam sobre o futuro que se promete a um bacharel em relações internacionais. Os jovens, imberbes por ainda não terem ouvido falar da precariedade dos que queimam pestanas a estudar e nem com um mestrado arranjam trabalho decente, sonham alto. Serão embaixadores. Farão carreira no ministério público (um equívoco inteiro, que para a magistratura vale o exclusivo do canudo em direito). Subindo por aí fora na escala dos sonhos, um deles via-se juiz do tribunal constitucional. A ganhar, diz ele, vinte mil euros por mês com direito a motorista e outras alcavalas que o erário público paga.
Como é enternecedora a ingenuidade destes jovens que têm tanta informação à mão de semear e parece que habitam o mundo errado. Dir-se-ia, se já nada importasse: como é enternecedora esta ingenuidade. Em havendo dias em que os olhos despertam para as dores de cabeça que os outros fazem de conta não serem suas, dir-se-ia: como é arreliadora esta ingenuidade. Ou, porventura, enraizando os pés, apenas se dirá que a ingenuidade é isso mesmo, ingénua e própria da tenra idade que destapa as ilusões todas.
O mal é as expectativas que se alinhavam. Olham para as carreiras dos outros, dos que tiveram a sorte de encontrar degraus mais fáceis de escalar, e estão seguros que vão deparar com as mesmas facilidades. Ignoram que a concorrência para as sinecuras é feroz. E que conta pouco o mérito (dar-se-ia o caso de alguns daqueles jovens terem conhecimentos privilegiados?) para deitar a mão aos apetecíveis lugares, para ir subindo na escala do lamentavelmente sedutor carreirismo na função pública.
O que sobra daquele mal? Depressões incuráveis. Achaques demorados. Frustrações. Aprenderão, mal deixem as portas da universidade, que não adianta fazer planos. Eles não vão ter com os planos que congeminam. Os planos, e os mais inesperados, é que vão ao seu encontro. Quando algumas gotas de fortuna forem ungidas por uns generosos dedos que não as adiam à passagem de um desses jovens. Caso contrário, engrossam o exército dos desadaptados. Dos que tiram cursos superiores e depois se apanham em trabalhos precários. Os estudos não tiveram serventia.
Foi a ligeireza com que esboçaram, em sonhos falados, carreiras com meteórica ascensão que cativou a atenção para a conversa na mesa do lado. Oxalá fossem as coisas fáceis. Estes imberbes vão esbarrar num rosário interminável de decepções. Já ouvi alguns, furiosos com as injustiças que os vitimam, disparar artilharia pesada contra as universidades. Como se elas fossem a causa dos embustes. A maior das dores que hão-de aprender a sentir é que a tremenda injustiça que os desaproveita tem causas naturais (a demografia que se vira contra eles e a sobrelotação do mercado de trabalho).
Como é dilacerante vê-los excitados com a certeza de uma carreira que não hão-de ter se não for por um acaso que se joga contra as probabilidades. Evoca aqueles sonhos que se fazem pesadelos quando andamos estrada fora e de repente, saído do nada, um súbito precipício suga a estrada debaixo dos pés. Às ilusões tenras destes jovens chama-se, na voz afamada do povo, andar por aqui a ver passar os eléctricos. Da espuma das utopias em que se debatem as fantasias sobrarão os dolorosos despojos de um quase nada.

1 comentário:

Jussara Christina disse...

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