22.4.11

O pudor e os palavrões


In http://osdiasdopisco.files.wordpress.com/2010/10/palavr1.png
Li, já não sei onde, que uns cientistas descobriram que proclamar palavrões solta a tensão acumulada. É uma terapêutica. E uma cilada: se não estamos tensos, por que proferimos turpilóquios?
Ao reler a notícia, lembrei-me do último filme que vi no cinema (Tropa de elite 2), um filme brasileiro que retrata a luta contra o narcotráfico nas favelas do Rio de Janeiro. Não se passa um minuto sem que um dos actores não dispare um palavrão dos feios. Vem isto a propósito dos tratos de polé que a língua merece do lado de cá do oceano. Como é por demais sabido – porque o ouvimos na rua e em certos meios mais reservados onde se pratica a desenvoltura do calão – os palavrões são correntes. Todavia, não passam para as artes com a mesma frequência que me foi dado a ver naquele filme brasileiro (e noutros de que fui espectador). Serão os bons costumes a falar mais alto? Ou apenas um pudor entaramelado em hipocrisia? É que reservamos a linguagem de caserna para certos meios, para as circunstâncias adequadas. Quando envergamos traje de gala coramos de vergonha se escutamos vernáculo de tasca.
A literatura sempre teve menos pudor. Há páginas a eito carregadas de calão, personagens – ora populares, ora das elites – que não se ensaiam para debitar o vocabulário indecoroso. Mas no trato pessoal, manda a educação que a linguagem não escorregue para o chinelo. Deve ser outro trauma das sotainas que habitaram tempo de mais na educação dos petizes, quando havia aquela confusão entre igreja e educação oficial (que ainda a há, por sinal – e em escolas públicas).
Se a comparação se fizesse com outras línguas, os exemplos de que me recordo (em inglês, francês, espanhol e italiano) atiram-nos para as catacumbas do puritanismo. Tive aulas em Inglaterra em que os professores escorregavam com facilidade para o “fuck” ou para o “shit”. E ninguém corava, nenhum de nós ficava boquiaberto a olhar para o lado. Talvez o problema seja nosso, que nos duplos standards que aplicámos à língua (à que se fala na coloquialidade que a circunstância exige e à que se liberta de freios num ambiente descontraído) nos prendamos ao sentido literal do calão. Em solenidades, ou quando o recato o impõe, palavras proibidas. Senão solta-se o estigma da calúnia.
Ai de quem mande f***r outrem, que é tido como ofensa que desqualifica. O que só será o caso das frígidas ou dos que se incomodam com a prática do acto sugerido pelo palavrão em causa. Mas se estivéssemos a toda a hora a captar o sentido literal da linguagem obscena, coitadas das mães dos árbitros de futebol – as maiores meretrizes de que haveria conhecimento, pelo menos na boca dos monos embebidos na excitação desportiva que abusam da verborreia calaceira. Não sei se algum sociólogo, ou antropólogo, ou mesmo filólogo, alguma vez estudou a correlação entre palavrões e sexo. É desprestigiante para o sexo que o calão que apouca alguém remeta para uma certa dimensão violenta, ou pelo menos ofensiva, do sexo. Talvez isto tudo explique porque lidamos tão mal com as palavras malditas que cozinham a linguagem grosseira que envergonha os bem-educados (e denuncia os que o não são).
Mas agora que a minha mãe é internauta, tenho que ter cuidado com a linguagem. Não se dê o caso de ser deserdado.

2 comentários:

Vanessa, a Mãe Possessa disse...

O que me aborrece nos palavrões vulgares é a sua ausência de sentido, a costumeira descontextualização. O "dizer por dizer", a necessidade de quebrar o protocolo abaixo da cintura (independentemente do termo usado) para expiar a ira e a frustração.

Acho mais arguto e eficaz no alívio das tensões aduzir cenários preceituados com algum rigor: o eunuco, incapaz de enfrentar qualquer obstáculo; o imbecil que habitualmente se alimenta nas latrinas; o lobotomizado que verbaliza constantemente pérolas de pêlo e bílis.

Apesar deste ponto de vista, assumo que faz sentido incluir um ou outro palavrão corriqueiro em certas anedotas...

Unknown disse...

Está descansado com a herança, pois sei que os meus filhos são muito "educadinhos".