11.5.11

As proezas pátrias só cabem em seis minutos e quarenta e quatro segundos?


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Anda por aí um vídeo onde ensaiamos – ou alguns que se julgam porta-vozes da portugalidade inteira – uma reprimenda aos finlandeses que vacilam na hora de adiantar o seu quinhão da ajuda a que nos pusemos a jeito. Eu rejubilo com o êxtase pátrio. Que algazarra, ó grandeza pátria! É nestas alturas, ao arremessar uma lição de moralidade de pacotilha aos outros que se julgam moralmente superiores a nós, que desata o orgulho pela portugalidade que vem desde tempos ancestrais.
Anteontem fui a uma escola secundária. Pediram-me para falar da Europa, já que era o dia oficial dela. No fim poucos jovens quiseram fazer perguntas, talvez inibidos, talvez desinteressados pelo assunto. O primeiro a soltar a língua lá trouxe ao auditório o famoso vídeo que esfregámos na cara dos apagados finlandeses. Desafiou-me a explicar que Europa é esta quando o que contam são (ao que parece) as tricas em que se brinca aos “paísezinhos”. Tentei explicar que se trata de manifestações primárias do pior que ainda enxameia a Europa: o nacionalismo obtuso, bacoco e arcaico. Mal andamos quando nos contagiamos pelas excitações estéreis deste nacionalismo datado.
E – mal que pergunte aos excitados com a coisa – somos assim tão grandiosos que as façanhas se condensam em seis minutos e quarenta e quatro segundos de vídeo? E um país a sério, em quantas dezenas de minutos encamisava as proezas? Este corrupio nacionalista, com o “tau-tau” moralista para os néscios finlandeses não andarem por aí a vituperar o nosso “bom nome”, é risível. Como se a nação fosse um corpo onde um povo inteiro arregaça as mangas, o mastodonte erguendo-se para limpar o rosto conspurcado por uns ignóbeis que até desconhecem a sua própria história (alusão ao puxão de orelhas aos hunos por ignorarem que já foram ajudados, e muito, por esta pobretana mas honrada gente quando estiveram com as calças na mão no início do século XX).
Já que os autores, no suposto papel de porta-vozes de uma portugalidade ofendida, tiveram o topete de ensinar história alheia aos finlandeses (que interesse terá o finlandês médio pela enviesada história de Portugal?), convinha que não torcessem os factos. A certa altura, insinuam que sacaneámos os espanhóis quando assinámos o Tratado de Tordesilhas. Mandam dizer os autores do vídeo que “ficámos com a melhor parte” e de seguida ostentam uma fotografia do Brasil.
A bem dizer, isto é toda uma idiossincrasia. Que é como quem diz: escondemos dos espanhóis a existência do Brasil, essa pérola incalculável. Deixámo-los com as sobras. Isto reproduz um padrão de comportamento tão habitual por aí: somos uns grandessíssimos chicos-espertos. Os finlandeses não deviam pôr os olhos na nossa experiência? Só ficavam a ganhar. Se forem chicos-espertos, como tanto nos gabamos de o ser, o mais razoável é fecharem os cordões à bolsa.
Entretanto, dizem-me que da Finlândia alguém respondeu com sentido de humor. Ao menos isso, que (consta) o humor não é atributo abundante naquelas terras maceradas pelo gelo. Esses finlandeses não acusaram o toque e selaram a sua indiferença. Podíamos aprender com eles. De que adianta este campeonato de medalhas nacionais, como se fôssemos machos alfa da tribo a inspeccionar reciprocamente os fálicos adereços só para descobrirmos quem os tem maiores?

2 comentários:

Anónimo disse...

Não consigo deixar de me sentir, de certa forma, assustada com estes acontecimentos (associados às enaltecidas proezas dos "homens da luta"). É aviltante o júbilo populista que emerge das manifestações ocas de chico-espertismos, com que Portugal se vem deixando catalogar nos últimos tempos.
Pergunto-me se, daqui a uns anos, não nos reveremos em misérias cubanas, agarrados a pragmatismos saloios de "pobres mas felizes"...
ou como a aldeia de Axtérix, orgulhosamente isolada na cauda da Europa, que a nós ninguém cala, nem corta os "tomates"...
Já sei que vão revirar os olhos que lerem isto, mas acho que o futebol nacional tem muita culpa neste movimento cultural!

PVM disse...

O "espírito de claque", com a ausência de racionalidade, empurra-nos para este primarismo que não é solução para nada.