8.6.11

Adoramos a austeridade, somos masoquistas, ou a extrema-esquerda faliu?


In http://blogdomorumbi.com.br/wp-content/uploads/2010/03/Acupuntura-estética-2.jpg
(A tentar ser um politólogo a sério, uns pensamentos dispersos no restolho das eleições)
Somem-se os votos das extremas-esquerdas (CDU, BE e MRPP): 14%. Estes partidos lançaram os mastins contra a austeridade patrocinada (eles acusam: imposta) pela UE e pelo FMI. Se estas eleições eram uma encruzilhada crucial para o destino colectivo (como foi repetido à exaustão) ou não, só um oráculo bem afinado permite arriscar uma resposta. Os que o juram a pés juntos agarram-se ao estado comatoso em que nos deixaram. Mas há quem desvalorize estas eleições. Assim como assim – argumenta-se – o governo que sair das eleições está numa camisa-de-forças: o memorando de entendimento assinado com a troika.
Em abono da segunda tese, estão aí os números da abstenção recorde em eleições legislativas (41%) e outro recorde com significado: o somatório de votos em branco e de votos nulos, quase 4% (quase tantos votos como o BE). Para desgosto de Cavaco, que sentenciou, em véspera das eleições, que os abstencionistas não têm legitimidade para criticar a governação que aí vier, talvez muita gente se reveja na inutilidade destas eleições. Será um não voto de protesto, ou apenas a resignação por saberem que o programa de governo até 2013 está feito e foi alinhavado pela troika. Por maior que seja o desgosto do presidente da república depois de passar os olhos pelos números da abstenção, admita-se que esta é uma opção legítima de quem preferiu nem sequer votar em branco ou nulo. A coacção psicológica é uma coisa feia.
Regresso à desilusão que as várias facções da extrema-esquerda vão ter de curar. A austeridade que aí vem estende uma longa passadeira de espinhos. As facções da extrema-esquerda não se cansaram de criticar o beneplácito dos outros partidos (a quem chamam do “arco da governação”) à austeridade ditada pela UE e pelo FMI. Fôssemos um país normal e a extrema-esquerda tinha terreno fértil para capitalizar o descontentamento a seu favor. E o que aconteceu? Os comunistas mantiveram a votação. Não é surpresa. Não há partido com eleitorado mais fiel. O MRPP ganhou dez mil votos. O BE perdeu metade dos deputados (e praticamente metade dos votantes).
Isto faz lembrar aquelas pessoas que ficam dependentes da dor e se recusam a tomar os medicamentos prescritos pelos sábios médicos. A extrema-esquerda não se cansou de avisar. A profilaxia da UE e do FMI vai deixar mais sacrifícios para os menos endinheirados e a economia numa duradoura anemia. As famílias vão andar com a corda à garganta. O desemprego vai crescer. Fomos avisados da catástrofe semeada pela troika, com a bênção dos partidos que com ela se sentaram à mesa. E, todavia, só 14% dos eleitores é que tomou consciência da turbulência que aí vem, depositando confiança nos bons médicos da extrema-esquerda.
Das duas, uma: ou temos uma pulsão suicida e gostamos de medidas que nos provocam dor, ou não tivemos capacidade para entender a presciência das várias facções da extrema-esquerda. Ou uma terceira possibilidade: por mais que a troika e as suas medidas tenham enxameado as páginas dos jornais e o comentário público, grande parte das pessoas nem sonha com o pesadelo que as espera. Os resultados das eleições deixaram o selo de legitimidade à austeridade que nos espera. Estamos preparados para a suportar?

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