10.6.11

As farpas inflamáveis


In http://bravonline.abril.com.br/imagem/100design_isqueiro.jpg
A química esconde umas reacções do diabo. Como é possível a compostagem interna dos alimentos terminar numa sequência de reacções que accionam a acumulação de metano nos intestinos? Eu sei, os especialistas em química eram capazes de mandar para cima do papel uma série de equações, ou lá o que é, mostrando como a assimilação da comida desagua na erupção de metano dentro das paredes intestinais. É um sortilégio que dispenso (nesta perspectiva do cientista), todavia.
O mal do metano: é um gás terrivelmente inflamável. Há uns largos anos, numa roda de amigos, o tema veio à baila. Alguém tinha ouvido dizer que os traques emitiam um gás que, para além do óbvio (ser insuportavelmente mal cheiroso e incolor), era incendiável. Quase todos duvidámos; quem contou a historieta tinha a fama de pespegar umas patranhas com aquele ar circunspecto de quem proclama coisa grave. Como um de nós tinha outra fama – a fama da fácil soltura das ventosidades anais –, aventurámo-nos na experiência química. O campeão pôs-se a jeito. Como é habitual, não demorou a exalar as pestilências interiores. Desta vez, à boca de cena (se é que a expressão é autorizada) estava um ansioso isqueiro. E zás, uma labareda de generosas dimensões soltou-se, anunciando (ou, em bom rigor, denunciando) a largada do flato.
Uma consulta à enciclopédia ensina que o metano que se forma depois da digestão da comida é vinte e uma vezes mais danoso para o efeito de estufa do que o monóxido de carbono. Faltava saber, caso se arregimentassem  cientistas interessados no assunto, que quantidade de metano liberta a espécie humana ao fim de um dia. Teríamos de confessar os hábitos flatulentos. E teriam os cientistas de arranjar maneira de capturar os gases expelidos pela extremidade do intestino para medirem a capacidade escoada para a atmosfera.
As farpas combustíveis, que utilidade? – dava uma boa (mas talvez escatológica) tese de doutoramento. Primeiro, deviam as bombas de gasolina ostentar discretos dísticos avisando para o perigo da actividade peidorrenta enquanto se abastece o automóvel. Afinal, a detonação pode ser causada pelas ondas recebidas pelo telemóvel mas também pelo metano em soltura das cavernosas paredes onde se alojara. Segundo, atendendo aos predicados inflamáveis do gás contido nos nossos gases, eles podiam ser aproveitados para combustível que fizesse mover os veículos.
(É só imaginar as petrolíferas a reconverterem o negócio; as empresas que fabricam automóveis a adaptarem os motores às peculiaridades do metano; como seríamos convidados à doação – não gratuita – dos subprodutos acumulados nos intestinos, inventando uma utilidade económica para um merdoso desaproveitamento; porventura, cursos de especialistas no controlo esfincteriano para melhor se libertarem para o invólucro que faz a captura dos gases a mais nas paredes intestinais; ou de como até os gastrónomos seriam chamados à liça, ensinando a dieta conveniente para a abundante produção das ventosidades anais.)
No fundo, somos energia em movimento. Quando ouço aquelas teorias esotéricas que juram a pés juntos que somos energia em potência – tanto que há uns especialistas que desenvolvem um dom que consiste em discernir a aura que rodeia os indivíduos – percebo: essa energia vem da flatulência sedimentada no organismo.
Os perseguidores do lucro fácil ainda não perceberam a mina escondida dentro de cada humano, é o que é.

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