9.6.11

É só mais uma ruga


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Dizias, em divagação mental: outro sobressalto interior, a quase apoplexia dos sentidos, um envelhecimento que se diligenciava numa correria mais apressada do que o tempo. Olhavas ao espelho, afastando com a mão as cortinas que o escondiam. E notavas. Notavas como havia mais uma ruga semeada no rosto. Eras perito no mapeamento das engelhas que encarquilhavam o rosto. Não havia dia que não houve detalhado tactear do rosto, ele bem próximo do espelho em pose microscópica, à cata das rugas não cadastradas no dia pretérito.
Era mais uma ruga, pois então. E outro cabelo grisalho a adulterar a juventude que teimosamente julgavas perene (e, todavia, sabia-lo: na relatividade de todas as coisas, essa perenidade havia de encontrar o seu ocaso). Mas que mal vinha ao mundo se as rugas e os cabelos grisalhos se convocavam a cada dia que dobrava a noite escura, a cada sobressalto interior atravessado no porvir que se revelava? Essas rugas eram um perfume invejável: o perfume da própria existência que teimava, um dia atrás do outro.
Que interessavam os sobressaltos, as cartas deitadas fora, as palavras malditas, as incompreensões alheias, enfim, todo um repositório de passos em falso? Olhavas em redor e o ar fresco da alvorada parecia tudo decantar. Fechavas os olhos à claridade ainda baça, enchias os pulmões com o ar fresco, revigorante, e os poros animavam-se como se neles se enfeitasse um discreto sorriso de confiança. Ah! – discorrias na tua divagação mental – as aleivosias que se entregam num cálice cheio de cicuta são uma irrelevância. E ias com a inspiração da fresca, despovoada alvorada, enquanto percorrias as ruas abandonadas da cidade em perseguição de um devir inteligível. As macerações ungidas pelos sobressaltos semeados pelo exterior a ti eram aleatórias. Mas se havia todo um universo de coisas intensas por revelar, todas as palavras que mereciam ser ditas, os rostos que mereciam os afectos, de que servia a entrega à melancolia?
Se as lentes fossem mudadas, com o distanciamento de quem assiste às coisas da poltrona exterior, os sobressaltos vindos de fora de ti eram uma risibilidade módica. Alguém to dissera. Perceberas que não era uma pedagogia alcoviteira, ou uma ajuda amiga para saldares as contas de uma mal amanhada tergiversação. Havia as coisas incorrigíveis, as marés que fluíam por cima do que a tua vontade podia domar. As petulâncias risíveis, exteriores a ti. E por mais que elas se abatessem sobre o teu corpo, tentando derrubá-lo, sabias que por serem risíveis não caucionavam a emergência da ruga adicional, do suplementar cabelo grisalho que desmentia a aspiração da perene juventude.
Era só mais uma ruga, pois então. E não havia capitulação quando, diante do espelho no mapeamento do irremediável envelhecer, concedias na observação. Não ia lá com cremes em disfarçável anemia do impenitente envelhecimento que se emparelhava com as cicatrizes dos desassossegos empratados no exterior de ti. Já te eram suficientes as complexidades interiores a que te abraçavas com regularidade, tornando tudo mais difícil de suportar. Nesse dia prometeras a ti próprio que não havia serventia nas contrariedades ungidas pelo que te fosse exterior. E perceberas, por fim, que o desejo de degustar os dias que se sucedem é insaciável.
As rugas, essas, que viessem. Pois então.

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