3.8.11

O velho que encantava peixes


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O velho nómada vergara o fim da descida, onde a estrada beijava as águas do mar que, amuralhadas, ofereciam leito às embarcações de pesca. Faltava-lhe dinheiro e víveres. A fome que consumia o estômago com cólicas que o arqueavam sobre o dorso exigia que encontrasse ocupação (que o orgulho proibia que se deitasse à humilhante comiseração alheia). Pelo meio da tarde arrastou o corpo faminto até ao porto de pesca. Viu por perto um homem com pose déspota e adivinhou que era o mestre da embarcação. Perguntou se não havia precisão de mão de obra.
(O velho ouvira um ajuntamento de viúvas segredar que os mais novos fogem da faina, que preferem a doideira da grande cidade, onde as mulheres são viciosas, e que disto sobra a míngua de braços para a pesca.)
O mestre, apressado como sempre são os homens importantes, balbuciou com voz enrugada: “e o senhor consegue aturar os caprichos do mar e a faina de sacríficos? Que mal lhe pergunte, ainda sobram forças para os pesares da pesca?”. O velho, denotando humildade que aprazia ao mestre, sem nunca o fitar nos olhos, respondeu que era homem culto apesar da aparência andrajosa. E que já lera páginas a esmo sobre a arte da pesca.
(O que não confessou é que essas eram páginas de literatura.)
Puseram-se de acordo num ápice (tanta era a carência de braços para manusear as artes de pesca a bordo). “À meia noite em ponto, na embarcação”, combinaram. O velho subiu para o barco e por quatro horas só ajudou os outros pescadores a desembainhar as redes em demanda de pescaria. O silvo do vento que prometia tempestade agitava o barco. O mestre e dois pescadores mais atrevidos meteram-se com o velho: “não enjoas, ó velho desastrado?
Para enxotar as náuseas, o velho começou a assobiar melodias de antanho. Sem aviso, as redes encheram-se de pescaria. Tanta que os pescadores suavam das muitas vezes que puxaram redes para bordo. Um deles, enquanto afastava o suor do rosto, protestou contra o monótono assobio do velho. Mal parou de silvar, os peixes diluíram-se no vasto oceano. O vento amainou e vieram as primeiras gotas de chuva. Os pescadores, desconfiados com a coincidência, intuíram que o velho andrajoso tinha uma parceria com os índios que encomendam chuva.
(Em Vilamoura)

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