28.10.11

O marialva intrépido (um epitáfio)


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Sabia-a toda, tanta a lábia em que donzelas a fio caíam, embalsamadas pelo deslumbramento que ele irradiava. Orgulhava-se das conquistas que registava com a precisão de um relojoeiro. Também sabia que era o orgulho de varões entradotes que se empanturravam (decerto apenas intelectualmente) com as suas façanhas. Ouviam-no, embevecidos. E nem sequer por um instante duvidavam das narrativas que pareciam retiradas de contos fantásticos.
E sabia como era. Sabia que não conseguia resistir a um rabo de saias (ou ao que elas escondiam e ele não tardava a desvelar). Era honesto consigo e com as demais que outrora pretenderam ter aspirações ao laço conjugal: ele desfazia as esperanças a zero. Ora porque as desenganava com palavras. Ora porque tratava de desenganar as esperanças hasteando bandeira em novas terras, para deceção das prévias moçoilas entregues em seus prantos.
Os anos faziam o seu percurso e a idade já se fazia notar. Um dia, acordou e descobriu que era hora de mudar de vida. Devia assentar de uma vez por todas – prometera-se tal vocação algumas vezes, quase sempre inundado pelos vapores etílicos (que retiravam discernimento). Se toda a gente constituía família (fartava-se de sentir a expressão burocrática a ecoar mentalmente), também se lhe impunha o dever. De repente, encheu-se de brios e chamou a si os mesmos predicados da responsabilidade comum pastoreados pela gente decente. Estava cansado de ser olhado de soslaio por mais velhos e mais novos, tamanha a fama que o precedia. Não queria mais sobressaltos com os consortes vilipendiados pelo adultério de que ele era involuntário fautor. As carnes cansadas já não estavam a jeito do pugilato, se preciso fosse. Difícil não era arranjar quem estivesse interessada em acompanhá-lo na cessação do celibato. E assim foi.
Três anos mais tarde, como se esses três anos tivessem passado num ápice, acordou sentado no banco dos réus de um tribunal qualquer. E só ouvia a juíza a perguntar, com ar inquisitorial: “então o senhor, com essa fama de conquistador, matou a mulher porque lhe descobriu adultério?

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