28.11.11

Bem entendido


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Quem falou de mal entendido? Quem falou de equívocos, palavras mal percebidas, palavras ditas à toa?
Os mal entendidos são uma máscara à volta de um rosto desfeado para iludir a feiura. São tendidos pacientemente, as sucessivas camadas puxando lustro a uma linguagem que faria inveja às mesurices dos diplomatas. Qual é a serventia de um mal entendido? Nenhuma. Corrigenda: úlceras, noites de insónia, cabelos grisalhos que se amontoam, rugas que envelhecem fora do tempo, impaciência. Um sorriso que se desaprende. Os sedimentos que abençoam um turbilhão incorrigível de palavras malditas, as palavras mal ditas, sufocam as bênçãos atrás das maldições que se ajuramentam.
Só há mal entendidos sequazes. As palavras desnudam-se, ficam frias à frente da boca que as diz, gravitam frias ainda nos ouvidos de quem as escuta. Desprovidas de máscaras, mostrando tudo o que tem de ser mostrado. As palavras assim entoadas são ditosas. Quando as arestas são limadas com o desassombro da lhaneza, quem pode falar de mal entendidos? Tudo renasce numa órbita cheia de luz, as nuvens maceradas no azedume sopradas para latitudes à distância pelos ventos propícios.
Tecem-se as urdiduras nos contrafortes dos mal entendidos. Os bem entendidos são um eflúvio. Onde antes empestava o coalho das ideias infetadas por fígados azedados, florescem, mercê da sapiência dos bem entendidos, frondosas flores que deixam um rasto de perfume. Os dias amanhecem com a claridade, os rostos das pessoas entram pelos olhos com sorrisos abundantes. As palavras são melopeias que embalam para a gratificante recompensa dos dias – um sono embebido no sossego.
Quem pode falar de mal entendidos se as palavras se desapossaram das ambiguidades, dos segundos sentidos, das táticas que congeminam ardilosas ciladas, da hipocrisia, da tacanhez misturada com sorumbática diplomacia? A nudez das palavras é o esteio dos bem entendidos. Saibam, ou queiram, as vontades libertar os freios que as acorrentam à teima dos mal entendidos.

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