7.11.11

Salvo conduto


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Salvo erro – sondava os interstícios da memória – não era dado às confianças. Diziam dele que aprumava uma fortaleza à sua volta, uma fortaleza com paredes íngremes, as paredes feitas de pontiagudas pedras. Não contente com o castelo insondável, protegia-o com duas fileiras de fossos profundos onde boiavam águas fétidas, paradas, repulsivas.
Só um punhado teve o privilégio de ver o que se escondia do outro lado das altas ameias. Era tarefa intrépida. Vegetava numa desconfiança dir-se-ia metódica. Quem ensaiava romper a couraça que o envolvia deparava com frieza, uma certa rudeza no trato que não era bálsamo para reiteradas conversas. Quem esbarrava na imperturbável esfinge que parecia não possuir sentimentos por dentro interrogava que traumas pertenciam ao tempo emoldurado nas suas pessoais memórias.
A quem foi dado o privilégio de franquear as redobradas proteções interiores nunca fora autorizada grande latitude. Ficavam a conhecer uns lampejos da misteriosa personalidade encerrada em sua própria, voluntária camisa de forças. Era um salvo conduto pela metade. Os olhos desconfiados embaciavam a transparência demandada por quem, contudo, se inebriava com o enigma que nele adejava. Era como se houvesse sucessivas camadas por decapar e o desafio emprestasse uma sedução ininteligível. Do lado de fora, outros que esbarraram nas portas constantemente encerradas perguntavam, na hora do despeito, se não era um embuste, um plano esboçado com perícia só para encantar quem soçobra perante o enigmático.
Um dia, porventura um dia de fraqueza, ou um dia de distração, assinou salvo conduto pleno. Fora a sua vez de se encantar. Soltou todas as teias de aranha encravando as janelas que não lembrava de alguma vez destapar. Era como se o dia ganhasse uma luminosidade nunca conhecida, e os pássaros, os pássaros que desviavam a rota com medo da luz opaca que cercava o lugar, agora esvoaçavam entoando cantos de liberdade.
Pelo seu punho, a assinatura usando o sangue vertido da mão propositadamente golpeada selava o salvo conduto pleno. Enquanto a mão deslizava pelas letras assinadas sentia que tudo era novo. Era como se renascesse. Sobrava, doravante, toda a aprendizagem.

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