25.1.12

As paredes têm ouvidos


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Um arame a rasgar a planície. A perfeição do quadro espremida pelos pulsos agitados atesta o sopor da planície. Simulam-se os olhares, emprestando verniz às conveniências. Afinal, a planície escondia uma cova funda, uma cova tapada pelas primaveris urzes que enfeitavam a demora.
O quadro pendurado na parede. Em paciente observação, os olhos notam que o quadro esconde diversas camadas. Hesitam, os olhos. É como se detrás de uma espessura se escondessem as matizes que importam. A certa altura, às mãos apetece rasgar a inércia do quadro, espreitar os seus contrafortes, sondar se na sua escuridão não se resguardam os sentidos demandados pelo espírito em desassossego. O rosto cola-se à fria parede amarelada. Investiga os poros do reverso do quadro, como se ali estivessem os antípodas da planície retratada em cores outonais. Porventura à espera de encontrar as porosidades das montanhas que se amontoam umas nas outras, e entre elas, os desfiladeiros temerários que se precipitam no vazio à procura do regato que sussurra.
E à medida que o rosto se esmagava, sentia o ouvido preso à parede. Sentia-se um inseto prestes a ser devorado por uma planta carnívora, tamanha a força centrípeta exercida pela parede. E quanto mais força fazia para o exterior, mais o rosto se colava à parede, o ouvido literalmente fundido na parede. Começou a escutar um amontoado de vozes indiferenciadas. Um rumor imenso, vozes masculinas, vozes femininas, vozes envelhecidas e trémulas, vozes infantis entoando a inocência da idade, vozes alteradas ou vozes profícuas. Era impossível detetar uma palavra entre o clamor que tomava de assalto o ouvido. As vozes ora cresciam de intensidade, ora soavam como murmúrio.
Os olhos já nem conseguiam distinguir a claridade, o quadro entretanto tombado sobre o rosto. Só sobrava a coreografia de sons. E, enfim, entre o caos de impercetíveis palavras, sobraram algumas que se compuseram em estrofe: “as paredes têm ouvidos”.

1 comentário:

portugal 100 a hora disse...

Um dos problemas deste país, é ouvir-se o que não se deve (porcarias) , e não se ouvir o que se deve.