14.3.12

O milagre económico rimava com igualdade (capítulo XXIV)


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Os meses, e depois os anos, foram a caução da generosidade dos ricos. Até dos irredutíveis. Fosse por conversão espontânea ou por oportunismo (a dissidência levava a um beco sem saída), os endinheirados destravaram a sonhada transfusão de riqueza para os erários públicos. Os genuínos revolucionários, os mais radicais de todos eles, duvidavam que fosse possível uma conversão espontânea e queriam julgar, em justiça sumária e sem contraditório, os ricos mais ou menos arrependidos da riqueza amealhada. Os moderados triunfaram: a grandeza mostrava-se na complacência. Julgá-los depois de terem voluntariamente abdicado da riqueza podia soar a mesquinha vingança.
A revolução que se instalara por todos os lados atormentava-se com assuntos mais urgentes. Agora que os cofres públicos estavam empanturrados, urgiam as necessidades sociais. Era preciso corrigir as injustiças sedimentadas. Os revolucionários – os que deram o peito às balas; e os idealistas, os que raramente saíam à rua, mas tiveram a paternidade intelectual dos protestos – chamavam a razão a si. Ainda sem ser a destempo. Ficava provado, por linhas tortas, que os ricos podiam alimentar a justiça social. Eles não podiam fugir para lado nenhum quando por todo o lado a maré do arrependimento capitalista depunha regimes coniventes e corrompidos. Agora havia existências suficientes para praticar a justiça social.
O igualitarismo era apregoado em uníssono. Pelos que sempre o apregoaram e pelos mais recentes convertidos, nem que fosse por não espontânea adesão ao modismo. Ninguém ousava desalinhar, temente de sucumbir sob o pesado manto da censura social com a cobertura do pensamento unânime. As injustiças colhidas do passado começaram a ser corrigidas. E a ser praticada discriminação positiva (entretanto medalhada com o timbre de teoria oficial). No trabalho, não eram os mais aptos que recebiam mais dinheiro. Quando se mantinham chefias, os superiores não recebiam as remunerações mais vistosas. Os subsídios para os mais desprotegidos tinham crescido números astronómicos. Os alimentos eram fartamente subsidiados. A saúde toda gratuita. Não se pagava nada nas escolas e nas universidades (entretanto reformatadas para corresponderem ao novo catecismo ideológico). Os bancos já não eram entidades usurárias.
O ar era, enfim, respirável. Todos os dias amanheciam abraçados a uma espessura radiosa. A equidade deixara de ser um sonho.

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