24.7.12

Os porteiros


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Não adianta análise sociológica amadora. Não adianta carpir a idiossincrasia de um povo. Nem adiantam fermentos em utopias que não passam disso mesmo – utopias. Mas há algumas embirrações que só de o serem personificam desprazer. Confesso uma: o complexo de farda. Um atavismo herdado dos tempos grotescos da ditadura. Quando ando em transportes públicos e as conversas dos passageiros vizinhos entram pelo ouvido sem que o possa evitar, são recorrentes as lamentações que evocam a ordem dos tempos da velha senhora. Farto-me de ouvir graciosidades como “no tempo de Salazar não havia estas poucas vergonhas”.
(Alusão à insegurança que, mesmo assim, coloca esta santa terrinha longe dos patamares de criminalidade dos vizinhos europeus – até nisso estamos atrasados; ou, talvez, sinal de uma inesperada vantagem civilizacional destes, que somos nós, frequentemente conotados com os derradeiros bárbaros da Europa).
Muita gente gosta de sentir a mão pesada do poder. Por causa da segurança, esse valor tão sagrado. Resignam-se ao braço duro – por vezes totalitário – do poder, se sentirem que é a fatura apresentada pela garantia de segurança. Não admira que muitos destes que continuam enamorados de um poder público forte transportem consigo um complexo de farda. É quando confundem poder com autoridade e depressa fazem um plano inclinado onde a autoridade escorrega para o autoritarismo. É a mais pura exibição de autoridade, com a sobranceria de quem se encontra por dentro de uma farda.
(As fardas tanto podem ser vestuário que entroniza o poder, como fardas simbólicas, o exercício de uma autoridade que, no entender enviesado dos seus titulares, confere direito a destratar os destinatários do poder.)
Os porteiros (nas repartições públicas, nos hospitais, à porta de bares e discotecas, nos aeroportos – e os demais exemplos que se possam arregimentar) são um paradigma. Mal educados, mal encarados, destilando pesporrência que quadra com o uso da farda e com a autorização, dada por alguém que manda, para serem eles a franquearem a entrada aos sítios de que são cães de guarda. Altivos, antipáticos, assertivos, puxando lustro ao arbítrio que é a ostentação do poder. São pequenos tiranetes sem trono. 

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