15.10.12

A crise é anti-erótica


In http://greece.greekreporter.com/files/0000000000000000dfhdlguh-300x217.jpeg
Discutia-se a libido da crise. Diz-se que a gente anda deprimida, falha de esperanças quando esbarra nos oitavos de um governo que percute nos corpos todos uma crise que parece ainda ir nos alvores. Argumentam uns peritos: as pessoas andam arredias da vontade sexual. E tratam de elaborar a teoria: o empobrecimento é castrador. Ainda houve uns apaniguados da coligação que vieram ensaiar teoria de sinal contrário: as pessoas, porque andam entristecidas, refugiam-se nos prazeres carnais. Todavia, os feitores de outro lado escuro da crise varreram para um canto a audácia interpretativa. Se os prazeres carnais ainda estão no plano volitivo, a ira que se apoderou das pessoas torna-as animalescas. A lascívia desumaniza-se. Nesta altura, entram na discussão outros que estavam dela desinteressados. Procuram medir a plausibilidade do sexo grotesco e o fio condutor com a crise. Talvez se interessem pela modalidade. A meio da barafunda, com o fumo dos cigarros a compor uma densa névoa que baixava do teto, alguns moralistas de serviço quiseram colocar a discussão dentro dos trilhos (que julgavam) acertados. Teríamos todos de admitir, à guisa de imperativo categórico, que o empobrecimento é intencional, uma maquinação – essa sim, grotesca – do grande capital contra todos que não são ricos. Os outros queriam lá saber da enfadonha querela. Para ali não eram chamadas as coisas esotéricas que só interessavam a uns aborrecidos e sempre de pose séria. Era de coisas terrenas, ou por outras palavras, a dimensão carnal da crise que queriam discutir. A certa altura, o representante do sexo radical refletiu: “talvez a crise seja muito erótica. A ver pela quantidade de gente mascarada que comparece às manifestações...Agora até já vêm de tachos para a rua, percutindo-os ruidosamente. Tachos e mascarilhas, hum, tenho a impressão que se esboça uma boa fantasia.” Quem procurava enfeitar a crise com outro opróbrio (ser antítese do erotismo) já desesperava. O golpe fatal veio do adepto da coligação em funções. Apontou para a fotografia na página três do jornal. Numa rua de Atenas, um jovem grego despiu-se de preconceitos na exata proporção da coragem em que se investiu, arremetendo furiosamente contra a polícia armada até aos dentes. “Ele há lá melhor parábola do erotismo?”, atirou, embevecido, para surpresa dos outros comparsas que desconheciam a tendência homossexual que decaíra.

3 comentários:

Sérgio Lira disse...

óh Paulo, não concordo! pois tu não viste as mamocas (perdão, os seios desnudos) daquelas duas manifestantes em frente ao parlamento?...

PVM disse...

Vi, Sérgio! Aliás, diria que foi o meu texto que desatou o espírito de contradição daquelas duas meninas. Ou seja: eu tinha lançado a hipótese de a crise ser anti-erótica. Umas horas mais tarde, as meninas em causa deram resposta cabal.

Sérgio Lira disse...

se assim foi, bem-hajas, bem-hajas!