4.10.12

Outono luminoso


In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioxoDi9E0EkSsd3cfqV_cFWcGX2er656UkkfvjE5EM0YXFIyZ80iZjei6Cgg_QHQ_WZhFxYCZR2nbzdojSe1kYT5p8XNPlvojTy8P49-zr9vt5HVvUJebsdUH5ppM_WmBXnfaL/s1600/outono-2198.jpg
- Deixa as convenções à porta. Que serventia têm elas? Sabes? Elas são como um parafuso envenenado que te entra pelo pensamento. Subtraem-te o pensamento e depois sobra-te ser autómato. E o pior é que os autómatos nunca se admitem como tal.
- Mas...mas, do que falas?
- Dessa tua mania. A do outono em que medra a tristeza. E do rosário de banalidades que vêm a seguir: as folhas caídas que sinalizam as árvores no seu estertor, os dias que se encurtam e só voltam a crescer quando o outono se despede, o vento desengonçado que escangalha umas árvores, a chuva que convida ao sedentarismo.
- Mas, o outono não é isso?
- O mal não está em o outono ser isso, o seu contrário, ou uma outra coisa qualquer. O mal és tu e os outros como tu, como vociferam o anátema do outono.
- Não admites que as folhas caducas a fazerem o leito do chão, o vento que causa apoquentações, os dias passados pelo coador da luz embaciada, os dias que se encolhem como se eles mesmos se intimidassem com os elementos adversos, o outono em presságio de hibernação – não admites que as pessoas se abriguem na nostalgia e maldigam o outono?
- Não. É só mudares a lente por onde fazes a observação aziaga do outono. Uns olhos metidos no ferrolho das convenções ignoram o lado contrário, o lado escondido, do outono. És dos que se anestesiam com a cortina de fumo arremessada aos olhos.
- E qual é ele, o lado escondido do outono?
- O sortilégio das cores. Alguma vezes notaste nas cambiantes dos castanhos em que se decompõem as folhas caducas, como fazem a transfiguração do vermelho desmaiado para o acobreado? Já alguma vez estiveste diante do mar quando uma tempestade entra em terra com a sua fúria? Já reparaste na luminosidade que só existe no outono, como ela é singular? Já contemplaste os castanheiros quando se ensaia o desprendimento da folhagem, como completam uma mancha admirável, como se um artista plástico tivesse pintado a paisagem durante a madrugada? Já experimentaste caminhar na rua à chuva, mesmo quando a chuva nos assalta à mercê do vento furioso? Já tentaste perceber que se continuas agarrado aos usos estabelecidos não conseguirás ver com os olhos diferentes o que os olhos habituais encerram no espartilho das convenções? Essa é a beleza do outono. Assim como assim, deixemo-la continuar a ser estação maldita.

Sem comentários: