22.11.12

Às coisas simples


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Digamos, em vez de oxalá, um ledo olá à vulnerabilidade que destituímos. Andemos pelas vielas escuras, escutemos a luz que nos segredam as paredes. Andemos, junto ao cais, onde o musgo medra, olhemos para as melopeias que o rio rumoreja. Andemos pelos caminhos pedregosos dissipados nas serranias, provemos os odores campestres tecidos pelas cores baças do nevoeiro que descem em sucessivas camadas.
Observemos. As pessoas que passam, a sua indiferença. Como caminham, como olham em redor, ou se são autómatos sentados num andar mecânico. Olhemos as crianças na sua inocência. Mas não façamos de inúteis profissões de fé murais de uma ingenuidade a destempo, se julgarmos que o mundo se afeiçoa a cores vivazes se às crianças o mundo pertencesse. Façamos exercícios pueris: trejeitos com os olhos, esgares furtivos, ensaiemos poemas surrealistas, dando as mãos que se entrelaçam em toda a simplicidade dos atos.
Façamos de tudo a elegibilidade dos impossíveis, por nós feitos possíveis porque assim o queremos. Deixemos para gente menor, irremediável, páginas da mesquinhez obscura. Nem que seja preciso uma anestesia do mundo, e por ela fazermos de conta que tudo não passa de uma simulação avezada.
Continuemos a observação, enquanto medimos as pedras da calçada nas vielas tomadas pela escuridão. Olhemos para os velhos que se encostam no alpendre da tasca, como educam a tristeza com o vinho abundante. Ou olhemos para os gurus da perfeição ensinando a purificação dos demónios contemporâneos, deixemo-los entretidos com a messiânica empreitada de que se ungiram em suposto proveito da humanidade.
Vamos outra vez às margens do rio, onde se escondem, por entre a bruma densa, fantasmas de outrora ou sereias promissoras. Congeminemos as barcas furtivas irrompendo o nevoeiro impante, carregadas de marujos em pose galante, prometendo azuis porvires. Não paremos de escutar estas cores que adoçam o olhar. Conquistemos um altar para as coisas que são a nossa simplicidade. Deixemo-las prosperar na sua majestade, no templo onde nos despojamos de angústias sem serventia.
À simplicidade das coisas, cerzidas pelo nosso olhar astuto, um cálice do mais puro néctar. 

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