17.1.13

Sometimes


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A espuma da cerveja parecia a cama onde se entaramelavam pensamentos dispersos. A música de plástico emprestava poluição sonora, perturbando os pensamentos. Desconfiava que estava ébrio. Entre os pensamentos que se atropelavam, não havia um a arrimar a um termo coerente.
Inclinava o copo, contemplando a espuma da cerveja a deslizar pelas paredes laterais até repousar outra vez na parte líquida da bebida. Enquanto ensaiava pensamentos que se dividiam entre recordações e exercícios prospetivos. Por fim, um fio condutor. À medida que se confundia entre o lastro dos dias que o foram e as resoluções vindouras, a espuma da cerveja era testemunha das promessas entronizadas no lugar prioritário da memória – como mnemónica urgente a cintilar diante dos olhos, para não dar alimento ao esquecimento. Mas a música de plástico era estorvo. Aquela música que passava nas rádios mais populares interrompia a peregrinação interior que a ocasião convocara. No pensamento, como se fosse uma tela imensa onde passam imagens, desfilavam em contramão episódios de antanho e senhas tiradas para guardar lugar numa posteridade límpida.
Talvez naquela cerveja, e nas muitas que já bebera (perdera-lhes a conta), macerassem os dias não exemplares arquivados nas irremediáveis recordações. Convencera-se de que isso não importava. Convencera-se que o que já fora não merece sequer lugar pequeno na memória, fossem os arrependimentos ou as proezas (havia um punhado delas). Perguntou à cerveja, entre dentes, se não estava a ser estalinista com o que fora. E a cerveja, por interposta pessoa do pensamento que com ele dialogava, garantia que não era razão para se preocupar.
Por entre a espuma pareceu emergir um balão onde passam as falas dos livros de banda desenhada. Dentro do balão, em letra pequena, esta fala: “mal andarias se os dias atrás de ti fossem de um esquecimento inteiro. Mal andarás se meteres as pernas ao porvir e sobre ti pesar um passado, um passado que seja, sobre o dorso.” 

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