22.2.13

“Eu sou uma ilha”


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Sou um território minúsculo. Só vejo mar à minha volta. E, todavia, não sou invadido pelas águas corrosivas, não deixo que o salitre se insinue na ossatura que é meu salvo-conduto no meio do mar.
Vejo-o, o mar, de todas as formas e feitios, os dias seguidos. Quando a bonança vem encavalitada no anticiclone, o mar faz-se chão. Convivemos, trocamos palavras de circunstância, umas vezes. Noutras vezes, quando o mar entristecido mal consegue bater nas pedras gastas que me protegem, quer que seja seu confessor. Debita a amargura que o consome – talvez porque foi habituado a ser tratado com respeito, o mar assim alcandorado ao trono onde é indomável. Dessas vezes, tão chão, nem consegue respingar umas lágrimas que se vejam para rimar com a melancolia que dele se apoderou. Coriáceo, dou ouvidos aos lamentos.
Algumas vezes o mar me pediu conselho. Mas eu sou mau a dar conselhos. Devia ser o mar a dá-los, os conselhos. Porque eu nasci ilha e ilha hei de partir sem memória. A insular condição é irremediável. Tal como ao mar alinharam o indomável atributo, de mim, ilha que sou, diz-se que fui feito para apascentar a solidão. Não há ilhas à minha volta, sequer. Ilhas que pudesse namorar de longe, arroteando um amor platónico que ao menos servia para dissolver a monotonia da solidão. E não choro, não por falta de lágrimas como ao mar acontece quando está tão chão. Não choro porque, pétreo que sou, não me foi concedida a graça das lágrimas. Ganhei reputação de duro por suportar as fúrias do intempestivo mar quando, derrotado o anticiclone, ele se renova desde o fundo mais fundo e se atiça com ondas majestosas contra os meus contrafortes.
A solidão ensinou-me a não ter medo do medo. Nem quando as ondas se esmagam com estrépito, ou quando ameaçam submergir-me num abraço medonho. Eu sei que as tempestades passam. Aprendi a passar os dias tingidos pelas tempestades. Aprendi, até, a conviver com o mar quando ele vegeta no esquecimento e me atemoriza com o seu desarranjo tempestuoso. Sempre me disseram, desde a tenra idade em que as evocações chegam à memória, que uma ilha tem de ser uma fortaleza inteira. Imune às contingências. Sagaz na sobrevivência. E tutora da solidão.
Porque, numa ilha, a solidão não tem o sentido dos lugares onde a solidão faz sentido.

2 comentários:

Camila disse...

Gostei muito do seu texto!

PVM disse...

Muito obrigado, Camila!