6.3.13

Back to the basics


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O entardecer no cais. As cores desmaiavam, emprestando ao céu as cores mágicas que encantam poetas. Caminhavam ao longo do rio, calados, reparando nos detritos a boiar nas águas sujas. Havia crianças que se entretinham, umas nas bicicletas que acompanhavam os progenitores, outras sentadas na relva com bonecas, outras ainda em sonora, desenfreada correria.
Entre ele e a amiga, o passo estugado apressava o silêncio. Ela quisera aquele sítio ao entardecer. Ao telefone, a voz embutida na angústia, perguntara se podia arranjar um naco de tempo antes do jantar, pois precisava de pôr ideias em ordem. Só a longa amizade pudera interromper as mundanas tarefas a que ele se entregara na desocupação do tempo. A simples ideia de alguém requisitar os seus conselhos tirava-lhe o sono, ele que se julgava (sem falsa modéstia) a pessoa menos asada para emprestar conselhos.
E como se demorava o silêncio, substituído pela passada larga que tragava o passeio fluvial, ele perguntou a que se devia a destemperança. Ela recusou a destemperança, que era impressão dele. Esfregou os óculos na fralda da camisa – simbolicamente, julgou ela: estava perturbado por não entender a gravidade na sua voz. No jogo das metáforas que cada um outorgava do outro, talvez estivessem prisioneiros de intenções atribuídas que não quadravam com o que de dentro deles vinha à superfície. Depois da cortina de sombras a que silenciosamente se entregaram, ela decantou a angústia em longo monólogo:
- Estou sem saber o que fazer. O meu namorado deixou de aparecer, não me fala, nem atende o telefone. Parece que desapareceu. Estou farta do emprego, tenho lá umas desvairadas que só estão bem a causar-me mal. As conversas com os meus pais não ultrapassam duas frases. Ando sem apetite, só me apetece ficar em casa, e eu que nunca fui de ser amiga da cama parece que sinto uma corrente amarrada à cama que me prende ao sono. Tenho de pegar numa folha em branco e começar de cima a baixo, do nada. Mas para lá chegar tenho de rasgar a folha que está repleta, a folha com caligrafia tão diversa que nem assim perde a sua monotonia. Todavia, não sei se tenho força para rasgar folha tão preenchida, se terá serventia alguma desfazer o tudo que foi feito – mesmo sabendo que quase todo esse tudo me causa enfado. É uma dor pungente, cruel, aquela que me atormenta. Às vezes estou acordada e não sei se estou a meio de um pesadelo, as cores tingidas por vapores vulcânicos que adulteram os sentidos. Desta encruzilhada, a maior que me apareceu a caldear o chão debaixo dos pés, tenho medo de não saber sair.
Ele não tirou o olhar do lugar onde o céu se fundia com o mar que parecia derreter a derradeira cintilação do sol em seu ocaso. Com a mesma voz grave que lhe fora sussurrada ao telefone, disse: “se não estivesse à míngua de salário, oferecia-te uma viagem à Índia. Prenda antecipada de aniversário. Estás a precisar, para teu reencontro.
Atónita, o olhar dirigiu-se-lhe em jeito de reprovação: “é só o que tens para me dizer?” O silêncio foi a antecâmara para a despedida. Não se voltariam a ver.

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