1.3.13

O paradoxo de um desempregado


In http://endtimesrevelations.files.wordpress.com/2011/02/3d_chess_board.jpg
Já desconfiava da bonança. A bonança interior, depois da peregrinação repentina que devolvera a pacificação interior, nem arriscava debater. Receava que se esboroasse à primeira contrariedade, incapaz de amparar os seus escombros. Mas essas andanças introspetivas aprendera a domá-las (ou acreditava que o tirocínio fora bastante).
Não conseguia era ter mão no que lhe era exterior. As circunstâncias que não controlava, as palavras e as intenções dos outros, os acidentes de percurso que eram teimosos recifes na claridade das águas. Numa manhã, o escritório recebeu-o com informação que, admitira, não era inesperada: tinha desemprego agendado para dentro de sessenta dias. Não desanimou. Continuou a trabalhar com o empenho de sempre (pouco, concedia). Nos dias seguintes chegou assíduo como dantes e cumpriu as tarefas como era habitual (com zelo bastante, sem o entusiasmo dos colegas mais novos obrigados a repetidas genuflexões aos superiores hierárquicos). Tinha a noção da carantonha que a crise fazia a quem perdia o emprego. E sabia que na arte que era a sua estava complicado encontrar outro sítio para trabalhar.
Não se declinou a boa disposição. Todas as manhãs que amanheciam soalheiras eram posturas para o ritual que o preenchia por dentro – a janela aberta para a luz clara se insinuar nos quatro cantos do quarto. Não era a desocupação prevista para dali a pouco tempo, nem a possibilidade de ficar sem réditos quando acabasse o subsídio de desemprego, que tiravam o sono. Já nada tirava o sono, tamanha a plena paz interior. Tomado por eito por este otimismo que era tanto que o assustava, convencera-se que o desemprego não era sentença. Era oportunidade sob custódia de um desafio. Era como se um sexto sentido sussurrasse nos interstícios do pensamento que dali haveria de sair solução tão proveitosa que não podia esquecer de obsequiar pelo natal quem o despediu.
Nos momentos lúdicos começou a pensar como seria o tempo passado quando estivesse por tanto tempo desocupado. Esboçou projetos, compulsou o que nunca houvera tempo para empreender. Era tão farta a lista que, com a aproximação do dia do desemprego, até no horário de expediente passou a tratar da ocupação dos tempos que seriam desocupados caso ele não tivesse tratado de lhes arranjar destino.
O desemprego não era uma camada densa de nuvens pesando sobre a cabeça.  

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