15.4.13

Como aprender a perder o controlo


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Nessa noite o sono demorou a encontrar o seu lugar. Era por causa do Aníbal, que tinha morrido em idade vivaz. Algumas vezes se lembrara do Aníbal, o que apenas acontecia das vezes que o acaso (como disse antes, em frequência excessiva) os punha no mesmo sítio ao mesmo tempo. Como a conversa era sempre sobre as desgraças e azares que compunham o dia a dia do Aníbal, acabava por perder a meada do sono a pensar nas intempéries que o visitavam com tanta assiduidade.

Se havia comportamento que desprezava nos outros era o moralismo, como se os outros vivessem dentro de uma nuvem insuspeita, cobrindo-se de arrogância para ensinar lições de como ser e atuar. Depois, porque as vidas tinham um curso próprio, como os rios têm o seu caudal a romper entre rochas e vales sem que alguém se oponha ao trajeto. Mas quando esbarrava no Aníbal e tinha de escutar estórias de destemperança, não conseguia reprimir o pensamento sobre os alinhavos de tanto descontrolo. Tentava perceber que precipícios tão sedutores atraíam o Aníbal.

Há quem prefira sucumbir nos sobressaltos que enchem uma vida. Há quem se desengane nos campos triviais, onde as flores apanhadas são sempre iguais e não mudam de perfume. Há quem se incentive com as penumbras escondidas em alvoradas nascentes, porque são essas, de tanta incerteza, que auguram subsídios de um dia diferente dos que são calibrados pela semelhança cansativa. Há quem se deixe arrebatar pelas paixões neófitas  que escondem a espessura das gentes. Há quem puxe os punhos em guarda se uma rixa assoma num lugar qualquer. Vivem em sobressalto, fogem em sobressalto. Dormem onde calhar, às vezes exilados em paradeiro incerto porque há gente pouco recomendável que os procura para retaliação sangrenta. Há quem faça tirocínio permanente a como perder o controlo. A pior cadeia a que podiam condenar estes estroinas era o comodato da placidez.

E tal como um rio segue pelo seu caudal, deitou-se sobre o travesseiro a interrogar se o exílio na marinha mercante não era uma apressada fuga por temor de aprender a perder o controlo. Diria: os rios são domesticados por barragens. Elas tutelam os rios ferozes que querem sair do caudal. Adormeceu sem saber resposta a uma pergunta: o navio, sua itinerante emigração, era uma barragem que acalmou a sedução pela perda de controlo?

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