19.4.13

Raposinha marota


In http://blog.dianaserra.com.br/wp-content/uploads/2012/08/raposinha.jpg
(Outro ensaio falhado de literatura infantil)

A raposinha palmilhava os trilhos por onde só as cabras montesas andam. Era dia de caça, que a fome apertava. Umas bagas comestíveis que irrompiam de arbustos, um trago nas poças que a chuva tinha alimentado durante o inverno que terminara. A raposinha tinha de andar com cuidado, evitar as veredas que eram território dos lobos ferozes e dos ursos grandalhões. Não convinha pôr as delgadas patinhas em terreno desarborizado, que podia levar com as garras afiadas de uma águia esfaimada e nunca mais via o sol nascer.

Era, ao mesmo tempo, predadora, a raposinha. De pequenos roedores que fugiam dela como ela fugia dos animais carnívoros maiores que ela. Quando a fome encolhia o estômago e os roedores tinham mais destreza, descia os montes e achegava-se à aldeia. As cenouras eram deliciosas, havia batatas a rodos, era só trepar às árvores e as sumarentas laranjas saciavam-na com a sua doçura. A raposinha escavava as terras lavradas, o que deixava os agricultores enfurecidos. Ela sabia que os lavradores estavam à coca, com sacholas e caçadeiras prontas para despachar violência no seu dorso, caso a vissem a prevaricar. Eles não sabiam que ela sabia que eles estavam em vigilância.

A raposinha contorcia-se de riso quando via, ao longe, os lavradores a praguejarem ao notarem que o terreno tinha sido remexido e a lavoura tinha de ser feita outra vez. Era marota, a raposinha, salpicava-se-lhe o goto de prazer quando observava os agricultores de rabo para o ar a remediar os estragos que fizera. É que a raposinha lera uns livros. E não gostou de saber que os agrários eram mantidos pela abastança das subvenções públicas que retiravam a todos para prolongar a agonia de uns poucos. A raposinha aprendera que a injustiça não merece consideração. Ela reinventou uma moral reprimida entre os homens: com o mal se retribui outro mal. Tinha de se lhe desculpar. Pois apesar de letrada e bem intencionada, a raposinha pertence à casta dos animais irracionais.

Já os lavradores, mal sonhavam que lidavam com uma raposinha adversária tão letrada.

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