1.5.13

A beleza faz a diferença


In http://i.olhares.com/data/big/77/779177.jpg
O título do texto devia levar um ponto de interrogação no fim? Não. Hoje, que faz moda fazer ciência de qualquer coisa banal, esbarrei num livro económico que prova que a beleza é um atributo que faz a diferença no mundo do trabalho. O título do texto não pode vir na forma interrogativa. A menos que desconfiemos da investigação (um aviso ao leitor: não li o livro, a não ser o seu resumo) e procuremos escavar a realidade para perceber se os atributos físicos suplantam o valor intrínseco da pessoa enquanto profissional. (Mas: e a beleza pode ser um valor intrínseco?)
Para começo de conversa: é tarefa árdua objetivar a beleza. Nos seus muito variáveis equilíbrios, a beleza pode ser irrelevância para uns, enquanto para outros a insignificância se transforma em beleza. Mas como não é verosímil que aquela investigação económica se tenha aventurado na objetivação da beleza, suponho que aceitou que a beleza tem diferentes cânones aos olhos de diferentes avaliadores (da beleza; e de atributos profissionais).
E depois há profissões e profissões. Há algumas que têm a beleza por critério e mandam os olhos (e um determinado padrão – subjetivo – de beleza) considerar que em algumas dessas profissões a beleza escorregou para a banalidade. São os manequins, que agora aparecem macambúzios, incapazes de esboçarem um sorriso enquanto passeiam na passerelle, algumas delas decaindo para uma anorexia medonha. E é o cinema, que é, contudo, também mestre na arte de levitar aos olhos do espetador belezas que seriam anónimas se andassem nas ruas todos os dias em total anonimato. Também sabemos que há certas profissões que exigem cuidado guarda-roupa, tratos do corpo que são de outra estirpe e um armário que transporta a artilharia de maquilhagem que disfarça muitas verrugas da feiura, logo transformadas em artificial beleza. E são tantas outras as variáveis fora do controlo da objetivação da beleza, que continuo sem perceber como se produz ciência saída de um tal objeto de estudo.
Há outros imponderáveis que a lembrança traz para a espuma da água. Um recrutador ou uma recrutadora desempatam pela beleza quando dois candidatos ao emprego têm as mesmas qualificações e os perfis são igualmente recomendáveis? Por que decidem com base na beleza? Há um instinto carnal que não se mostra mas que se revela, indisfarçável, quando o fiel da balança é a maior beleza de um dos candidatos? O recrutador terá interesses inconfessáveis, deixando a lascívia atuar como critério derradeiro para preencher o lugar na empresa? Pode ser um passo em falso. Se traduzir os instintos em abordagens que exigem proximidade física, pode o chefe ser acusado de assédio e ver a sua carreira desfeita por causa de um passo em falso.
Às vezes, a beleza pode fazer a diferença. Contava-me um amigo que a empresa contratou para delegada comercial uma rapariga com evidentes dotes físicos (insistiu, todavia, que não foi contratada por causa dos evidentes dotes físicos). Um dia fez-se à estrada com a delegada comercial, para a ver no desempenho da função (reafirmou: não foi por causa das evidentes qualidades físicas). Chegou ao fim do dia e percebeu por que estavam as encomendas a subir em relação a meses anteriores – e a crise já mordia no pescoço de todas as empresas. O charme da vendedora inebriava os clientes. Que estavam dispostos a encomendar o que a delegada comercial sugerisse. Enquanto os clientes não tiravam os olhos dos seus seios avantajados metidos em sugestivo decote.
Mas não me parece que aqui o critério fosse (apenas) a beleza. Ou seria, por assim dizer, um certo entendimento de beleza a balizar o comportamento. Ah, mas o sexo masculino é esta subespécie humana tão fácil de enfeitiçar.

Sem comentários: