7.6.13

A praça nunca estivera tão florida


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A praça acordou engalanada. Não era pela primavera que fez despontar as viçosas flores de que já sentiam falta corpos cansados pela invernia duradoura (naquele ano). Não era pela folhagem que ostentava as árvores, depois de tantos meses de nudez melancólica. Era uma faixa branca estendida entre duas árvores, atada entre elas por cordel de graúdo porte, que arregaçava letras azuladas em tamanho garrafal: “alegra-te”. Escrita a palavra em maiúsculas, para desatar a introspeção de quem lesse a palavra engalanada.
Os transeuntes que passavam a pé e os condutores que paravam no semáforo nas imediações detinham o olhar. Uns com mais demora, interiorizando a indulgência do pedido. Alguns sabendo que o dia não era propício a alegrias, pois começara do avesso. Outros montando um farto sorriso que sinalizava a comunhão de propósitos com o dizer da faixa. Havia outros que olhavam de soslaio, tão depressa escondendo o rosto do desafio escrito em letras tão visíveis. Estariam em negação do desafio, uma confissão não admitida de que não eram capazes de saldar o repto que apenas tocou ao de leve no seu pensar.
A palavra ficou ali o dia todo. Até que ao entardecer vieram as autoridades, requisitadas pelos técnicos do ambiente (“o cordel de graúdo porte podia ferir os troncos das árvores às quais estava atado”), e a retiraram do lugar. Alguns passeantes, repetentes do lugar e confortados pela palavra levitada pela brisa primaveril, protestaram. Que a ninguém seria dado o direito de desprezar palavra tão bela. Insultaram os funcionários camarários, acusaram-nos de serem gente cinzenta, desinteressante, taciturna. Os funcionários, sentindo-se acossados, chamaram a polícia. Completaram o trabalho perante o coro de protestos de um apanhado de gente que foi engrossando. Em pose provocatória, mas sem perder o sorriso no rosto, a multidão ululante desenhava corações, enviava beijos salivados aos funcionários. Ouviu-se, gritado do meio da multidão, que a serventia das autoridades é isto mesmo, “roubar a alegria pouca”, a que ainda sobra nos contrafortes intransponíveis das pessoas. Uma senhora de meia idade lamentava que as coisas simples tropecem na complexidade que para elas inventamos.
Soube-se, meses depois, que a faixa não foi incinerada como mandara o edil local. Um dos técnicos do ambiente, cansado do fundamentalismo ecológico do chefe e do autoritarismo a cobro da ideologia, tirou a faixa do armazém e emoldurou-a na garagem de sua casa. No mesmo dia pediu a demissão. Só podia responder ao repto da faixa se deixasse de aturar gente mesquinha. Cumpriu-se a profecia. O homem fez-se feliz.

3 comentários:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Coincidência ou não

Na passada 5* feira, pela manhã, vi uma palavra enlaçada em duas árvores. Não sei se ela interrompeu ou emendou o silêncio que costumo ver entre elas.
No dia seguinte fui fotografar a palavra e ela já não estava lá.
"ALEGRA-TE". Era essa a palavra.
Deixei o local. Ainda não sei retratar o silêncio.

Se coincidência foi, gostei de saber o desenlace deste episódio incomum.

PVM disse...

Rotunda da Boavista, Porto?

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Sim, foi nesse local.