14.6.13

O véu da ignorância


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Napoleão morreu convencido que era imperador. Salazar foi ter com o leito de morte e todos lhe chamavam respeitosamente “senhor presidente do conselho”. Músicos que foram estrelas cadentes e agora são anónimos como qualquer anónimo reclamam reconhecimento pelo efémero que foram. E alguns sobredotados oferecem préstimos valiosos, ensinando à turba néscia o óbvio que os governantes, mais néscios do que os néscios, não conseguem entender. Aos néscios todos, é tempo de avisá-los que o melhor critério é meter a cabeça debaixo do véu da ignorância. Não vão ficar ainda mais ignorantes, que se protejam da bisonhice que petisca nas vitualhas da erudição.
O véu da ignorância é mal menor. Não é de apologia do obscurantismo que se trata. A informação deve ter fontes inesgotáveis. Para adestrar o conhecimento. Mas quando a informação chega distorcida, é a desinformação que aterra com estrépito. Ou é informação adulterada para moldar os juízos desprevenidos. Como os destinatários consomem acriticamente o que entra pelos olhos, talvez não seja mal pensado protegerem-se com o véu da ignorância. Por isso vão rareando no cardápio noticiários de televisão. E debates e comentários de comentadores que de tudo sabem. Às vezes, é melhor não saber do que saber através de uma lente que defuma de tal arte que o chão virou plano inclinado.
O véu da ignorância tem outros atributos. Mete as gentes num labirinto onde o odor é a flores. Em vez de se ocuparem com os viés de gente mal intencionada, dedicam-se a coisas onde os engenheiros da sociedade estão ausentes. Em vez de termos o pensamento emprenhado pelos doutrinadores dos imperativos categóricos, dedicamo-nos às artes, à paisagem, a coisas mundanas, que seja (por menos “intelectual” que as coisas mundanas sejam). Entra o véu da ignorância e os espelhos esconjuram as imagens distorcidas por quem as distorce de propósito e por outros que nem fazem a ideia das patranhas que contam porque já foram contaminados pela distorção dos gurus.
Haja liberdade de escolha no altar-mor dos comportamentos. E se alguém recusar um folheto de uma força partidária distribuído em feira popular, que não desate a ira no militante que ficou com o papel nas mãos. À liberdade de escolha pertence a opção de lermos e vermos o que apetecer. Nestes tempos em que a abundância de informação é proporcionalmente inversa ao seu rigor, haja um lugar importante para o critério do véu da ignorância. 

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Modesto comentário com o véu da ignorância

O Mundo não pode negar a possibilidade de se prestar a uma infinidade de interpretações. Por consequência, o ser humano depara-se com a dificuldade / impossibilidade de ter acesso a verdades objetivas e muito menos absolutas. Há, todavia, uns "semideuses" (pelos quais tenho uma irreprimível aversão), detentores de um tal grau de "conhecimento" e capacidade de persuasão que, com toda a facilidade, enganam os mais desatentos.
O véu da ignorância é, para mim, o pilar que sustenta todas as minhas incertezas e tudo o que vou desaprendendo. E, quando peço uma ajuda ao "conhecimento", nunca esqueço a frase de Nietzsche: "o conhecimento é uma centelha entre duas espadas". Concordo, mas continuo mesmo com todas as incertezas. Afinal é com elas que o meu pensamento desenha espirais infinitas em vez de círculos fechados!

“A vontade de alcançar a verdade e a certeza nasce da «crença» que a incerteza produz.”
(Friedrich Nietzsche)