19.6.13

Primavera poltrona (ou: é a vingança dos “alemães”)


In http://jornalcidade.uol.com.br/fotos/Tempo/fotos_05071231.jpg
Não é por falta de assunto, que se costuma dizer que quando a conversa é sobre o tempo é porque não há mais assunto para servir de fermento à conversa. Mas a visitação de ar polar (explicação do meteorologista de serviço), que deixou uma chuva própria de novembro e até neve nos mais altos promontórios da serra da Estrela (neve em junho!), dá que pensar. A primavera anda poltrona (feminino de poltrão). Na sua imensa preguiça, contaminada pelas aragens ventadas desde as longínquas latitudes árticas, a primavera sentou-se na poltrona e, de braços recostados nos forros laterais, vai-se indo embora a outorgar o outono ao verão que vem daí a um nada.
Em contrapartida, as notícias anunciam que as temperaturas estivais estacionaram no centro da Europa. Países que nos invejam pelo clima que cheira a exotismo andam aflitos com mais de trinta graus. Talvez seja uma vingança ensaboada pelos “alemães” (o estereótipo para o malévolo que existe na Europa) sobre os latinos. Mas é uma vingança que se escorraça para cima dos “alemães” que, coitados, não estão habituados a sofrer tanta canícula ainda nem o verão dobrou o equinócio respetivo. Pois não se diz por aí que os “alemães” nos consideram, latinos, preguiçosos? E que essa preguiça está para os latinos como o calor tórrido está para o verão mediterrânico?
Já que estamos em crise, e daquelas que se arrasta pelo lodo como fazem os rodovalhos que não saem do fundo do mar, os “alemães” encomendaram serviço generoso ao patrono do clima. Mandaram servir primavera poltrona e, diz-se por entre especulação em contramão com a ciência, um verão com chuva a mais e calor a menos. Ao menos os latinos não vão sufocar com o calor abrasador. Não teremos desculpa para a má figura nas comparações da produtividade. Os “alemães” é que a sabem toda: a encomenda de uma primavera preguiçosa e de um verão sisudo é a oferenda aos latinos mergulhados na crise teimosa. Os latinos estarão mais dispostos a trabalhar, uma vez que o calor não os vai distrair.
(E as distrações correm por conta da criatividade: ele é a temperatura elevada que torna madraça a capacidade de trabalho; ele são as cervejas que aplacam o calor, mas açambarcam a lucidez que se quer para o trabalho; ele são as colegas de trabalho que envergam trajes aligeirados, deixando as curvas mais à mostra, com os custos no tempo que os marialvas dedicam a apreciar os contornos corporais e deixam hipotecado ao labor que se lhes paga.)
Mas a vingança pode estar do avesso. Já que os “alemães” nos insultam na exata medida do verão a mais, afinal o patrono do clima, solidário com os padecimentos dos latinos (da canícula e dos sacrifícios da crise) mexeu cordelinhos para as massas de ar se desviarem a preceito. Que é para os “alemães” saberem o que sofremos durante o verão inteiro. Para deixarem de nos chamar as coisas feias que chamam. E – que sabe? – um clima do avesso, com o norte a saborear o tempo do sul e o sul a experimentar a teimosia de um outono metido primavera adentro, não seja o cimento da solidariedade que falta na Europa.

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