19.7.13

Falar sozinho


In http://justwrappedupinbooks.files.wordpress.com/2009/03/lonely-chair-g3393.jpg?w=600
Um excurso na solidão. Mergulho excruciante na sua própria solidão. Que era avesso a multidões, sabia-o desde os bancos da escola. Não se desprendeu da aversão enquanto cultivava a maturidade. Foi nómada com o tempo. Não tinha vocação para se demorar num poiso. Fartava-se das coisas, da paisagem, do clima, da língua, da gastronomia, dos hábitos, das pessoas em seu redor.
Não se enraizar sempre fora prioridade. Tentara perceber a desafeição, por que não trocava o frenético nomadismo por um serenado sedentarismo. Chegou, contra as convicções, a consultar especialistas que conseguissem ser hermeneutas de si próprio. Às voltas do tempo, talvez quando as dores da solidão gritavam nas entranhas e faziam arder as veias, desfazia as noites de insónia com um cortejo de interrogações. Era como se se virasse do avesso e tentasse ver, do fora de si, as cores que o tingiam. Ou como se virasse o espelho do avesso, só para descobrir o lado que estava escondido.
Nunca obteve respostas convincentes. Quando açambarcava umas respostas era por cansaço, para derrotar a intensa curiosidade que o embebia na solidão nessa altura atroz. Era à margem dos outros, como se deles fosse tão diferente como diferentes são os antípodas. A maturidade não aplacou as dores que julgara juvenis. Ao contrário, refinou o predicado. Só dava conta, e as contas incendiavam as veias interiores, quando se achava a falar sozinho. Havia dias a fio que não dirigia palavra a vivalma. Era quando saía à rua só para comprar o jornal (não que houvesse préstimo na informação), ou para beber um café (e ele dispensava a cafeína), ou para amesendar remotamente com quem estivesse a fazer a refeição no restaurante. Estava sitiado num paradoxo. Era quando se achava a falar sozinho e a solidão o contristava que se desembaraçava das peias e partia o baraço da solidão. Mas mal encontrava gente, arrependia-se.
Envelheceu embebido na solidão. Já não sabia se o achar-se a falar sozinho era um sedimento de loucura ou apenas a irremediável solidão. Envelheceu, de mais. Pois por mais tempo vivido na embebida solidão, mais as apoquentações em que se via naufragar. Nem a morte queria a sua companhia.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

Porventura a solidão desabitou-se. Naufragou num barquinho feito com papel vegetal. Levou a tristeza enrugada e uma lágrima silenciosa por cumprir. A morte era tão longe ...

"E grandes ondas de silêncio vibram em poemas"
Gaston Bachelard