10.9.13

Dedicatória


In http://www.cury.net/blog/wp-content/uploads/2011/06/papel_caneta.jpg
Guardam-se as palavras mais ricas para quem as merece. E o que são as palavras ricas? O que são, se elas não estiverem na mão de onde pulsa a escrita? Dizem, à guisa de compensação, como se houvesse mercê de indulgência para a inépcia das palavras, que a intenção é que tem valimento. A intenção de abraçar, na forma das palavras, a pessoa a quem se ensaia dedicatória.
Mas pode haver uma dedicatória falhada? Não o será para quem a lê, que a indulgência que abençoa a intenção escanhoa as impurezas que atraiçoam a formosura da dedicatória. Ao contrário para quem a escreveu: a dedicatória fracassada é um punhal que entra fundo na carne, entra pela mão que levanta a caneta e de onde se afeiçoa a incapacidade para as palavras ricas. Em vez de palavras ricas, merecidas a quem são dedicadas, o sangue pungente que escorre da mão de quem as compõe. Pode ser apenas momento falhado, ou noite mal dormida que furtou a inspiração; as palavras são vãs, uma escrita falhada. E nem tem desiderato amarrotar o papel e voltar a uma folha em branco, que as palavras desbotadas são pálida imagem do sentimento que devia vir aninhado nas palavras açambarcadas pela dedicatória.
Que o papel amachucado forneça sinal bastante. A teimosia desamarrota-o para revolver as palavras pelas entranhas, misturando-as numa nova forma, acrescentando algumas que se julgam de inspirada matéria. Os olhos devolvem-se ao texto. Um esgar de desprazer desce das sobrancelhas ao resto do rosto. Nem a música a preceito, a música tantas vezes musa, embolsa a inspiração a que se perdeu o rasto. De tão rasurada, a folha enxameada de borrões mortificados perdeu serventia. Fica perdida onde se sepultam os detritos. Finada a dedicatória que não pedia meças às ricas palavras. Não havia lírios vicejantes, ou poemas relidos, ou memórias emolduradas a ouro fino, que houvessem de vir em socorro das palavras que não conseguiam ser ricas. A filigrana das palavras, das que eram pedidas para a dedicatória não ser banal, podia ser que viesse com a alvorada. 
Em dias como estes, a lucidez adia a dedicatória.

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