19.9.13

O dedo do meio


In http://fotos00.levante-emv.com/mmp/2013/09/13/646x260/steinbruck.jpg
(Para que conste, este texto não é o que parece: a defesa de um socialista)
O candidato socialista que quer tirar a “maléfica” Merkel do poder foi apanhado em falso. Não foi bem em falso, em abono da verdade, pois o gesto que o deitou em popular crucificação foi encenado, ou não sejam encenadas todas as aparições fotográficas (e outras) que os políticos profissionais fazem. O senhor Pier Steinbrück, líder do SPD, fez pose de gangster e ofereceu o dedo do meio. Depois vieram as sondagens: elas mandam dizer que a maioria dos alemães é muito puritana e desaprovou o gesto malcriado do candidato socialista.
Não percebo a indignação. Vamos aos rudimentos da democracia: é o regime onde os representantes do “povo” são escolhidos pelo “povo” para governarem em seu nome. Por conseguinte, os escolhidos devem ser um retrato fidedigno do “povo” que os escolheu. E se o “povo” usa e abusa do vernáculo, se o “povo” manda, com toda a facilidade, gente que não conhece de lado nenhum para um lugar que remete para a escatologia, ou se o “povo” encomenda gente com visibilidade pública ao ato carnal, usando o vernáculo a preceito, parecendo ter problemas existenciais com a dita carnalidade, por que não podem os políticos, como emanação ideal do “povo”, ter as mesmas práticas e usar da mesma linguagem que os seus representados usam? O impedimento é uma restrição à liberdade de expressão que não quadra com a tolerância que é pergaminho da democracia. Era o que mais faltava tudo se permitir aos representados e apertar a malha da expressão falada e gestual aos que os representam. Que ninguém me convença que os políticos devem respeitar limites na comunicação que não sejam exigidos ao “povo”, pois é de uma desigualdade que se trata.
O senhor Steinbrück ofereceu o dedo do meio e depois explicou-se: estava a mandar o estado calamitoso da economia, e os seus putativos culpados – a grande finança desapiedada – para aquele lugar onde se praticam os lascivos atos carnais. Tem a mesma legitimidade que políticos da extrema-esquerda radical quando deslizam para a retórica excessiva, palavrosa e cheia de metáforas e metonímias que ressoam a ultraje (para quem é por elas visado). E, repito, se o “povo” chama nomes feios aos políticos e lhes dirige gestos vernaculares, mau era se os visados não pudessem ripostar na mesma medida. Ou isso, ou temos uma democracia enviesada.
Depois há quem estranhe que só os fracos de espírito e os inaptos habitem o lugar da política. A visibilidade pública e o achincalhamento não são para qualquer um. Que haja reciprocidade. E que “eles”, os políticos, possam dizer mal de “nós”. Não venham os puritanos protestar que com coisas sérias não se folga. Talvez esse seja um sintoma da doença da pós-modernidade: insistir que o respeitinho é devido às coisas sérias. Que assim perdem a sua seriedade.

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