15.11.13

Em terra de cegos, quem tem olho...

In http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/img_poesias/58855_gr.jpg
...“é rei”, certifica o povo, de quem se diz ser sábio. A monarquia fez as pazes com a democracia.
(Eu sei que há monarquias que sobrevivem à democracia; mas uma monarquia, com o beneplácito divino da sucessão dinástica, é um travão à democracia quando ela quadra com a vontade popular maioritária.)
Às explicações: com a vulgarização do espaço público virtual, qualquer um se torna comentador (ou, na maior parte dos casos, comentarista). E como a cada um é dada uma presciência que o coloca num patamar elevado de onde vigia os comuns dos mortais que contraíram matrimónio com a indigência intelectual, acha-se dono de um singular olho que, contudo, aprecia mais do que o lupanar onde vegetam os cegos.
Impressionam-me os comentaristas cheios de certezas categóricas. Aqueles que vêm, mesmo debaixo do seu nariz, o que a muito poucos é dado a entender. São tutores da moral, tentando impedir que ela se despedace como sinal dos tempos de decadência. Eles bem alumiam a centelha por onde devemos fazer o caminho. Mas os cegos estão adormecidos na sua cegueira. Não se importunam com as coisas graves da governação, nem quando são torturados como sucede com estes tempos decadentes. Em chegando eleições, a grande maioria dos néscios continua a desvalorizar as palavras avisadas dos sábios, teimando em renovar os votos nos que deviam ser acusados de governação danosa. Podem estar desgostosos com o matrimónio que contraíram com os indigentes. Na dúvida, preferem renovar os votos que perpetuam os indigentes. Os lúcidos, do alto da sua visão acutilante, servida por uma sabedoria inacessível ao comum dos mortais, denunciam os atropelos inadmissíveis e protestam contra a incompetência genética. Ainda não entenderam que o povo soberano é da mesma linhagem.
Os possuidores de olho judicioso andam a pregar no deserto? À falta de uma oligarquia de prescientes – que seria uma oligarquia abundante, a crer no exército numeroso de gente sábia que discorre comentário sobredotado –, sobra a resignação. Têm de admitir que não conseguem ser notáveis educadores da cidadania. A indigência dos cegos não se dobra a não ser com meia dúzia de gerações em sucessivo passar do tempo. Ou podem emigrar para terras distantes, onde tudo seja perfeito. Hipótese que teria, na minha modesta maneira de ver, a vantagem de nos livrarmos de sacerdotes que eructam uma cansativa superioridade moral.
Os moralistas desatam suspeição: tenho-os na má conta de patrulharem a moral dos outros porque não devem suportar a sua própria imoralidade.

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