6.1.14

Desiguais

In http://ressabiator.files.wordpress.com/2012/01/desigual1.png
(Um texto eventualmente chocante)
Pelas arcadas que não colhem as simpatias das maiorias, dos bens pensantes, dos que se auto encomendam a sotaina da moralidade que se descarrega, iracunda, sobre os outros, dos que se arregimentam exclusivos próceres dos desvalidos. Por essas arcadas, entre a penumbra do discurso habitual, um pleito pela desigualdade.
Porque desiguais são os dias que não crescem lineares nem têm apalavradas iguais horas de luz e de noite. Desiguais são as terras habitadas por gente, umas antolhadas pelo frio invernal enquanto outras açambarcam as virtudes do tempo estival, umas espraiadas em intermináveis planícies, outras acanhadas entre alcantiladas montanhas. Desiguais são os gostos, as maneiras de ver e de experimentar, os sentimentos e, acima de tudo, as vontades que se jogam ao encontro de aleatórias variáveis. Desiguais são os atapetados chãos onde, fulgurantes ou decadentes, desfila a sociedade das nações. Desiguais são as almofadas onde se deitam os mortais, muitos à noitinha, alguns só quando a alvorada depõe a longa noite.
Porque desiguais são os afetos, de quem os oferece e de quem os abraça, como desiguais são as disposições para dar e receber, os egoísmos e as generosidades, espontâneos ou malsãos. Desiguais são virtudes que seduzem e os coriscos que embaciam (sempre) um pedaço de uma personalidade. Desiguais são os atributos e as capacidades, as propensões para as artes e as letras ou para as ciências exatas. Desiguais são as massas sanguíneas que nos percorrem, como desigual é o ADN que individualiza cada indivíduo. Desiguais, por mais chocante que soe, são os berços que são regaço dos nascituros. Como desiguais são as formas de morrer, e mais desiguais são os ora breves, ora longos, interstícios entre a vinda ao mundo e o decesso.
Desiguais somos todos, embebidos na tolerância da nossa individualidade. Os que afiançam a homogénea espessura de todos os mortais por inerência da sua pertença à espécie humana, dizendo-se guardiões do sagrado valor da igualdade, rumam pelo pedregoso populismo do irrealizável. São fautores do cimentar irremediável que, ao fazer de todos nós altares de uma igualdade sonhada, mata à nascença a maior qualidade da espécie humana: a desigualdade que somos, tutora da diversidade que faz da espécie de que se fala uma admirável espécie no reino animal.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

O Mundo é íntegro. Íntegro é também quem o escuta com os olhos e o observa com os ouvidos …

O Mundo pode ser conjecturado como um cais que assiste à chegada e à partida de todos os seres vivos que nele vão coexistindo. Ele é espectador dos seres inanimados e dos objectos criados pelo Homem, observador das reacções dos seres humanos perante as questões que a passagem do tempo vai revelando e, ao contrário de uma porção da espécie humana, comporta a desigualdade nas suas múltiplas dimensões.

Considerando a possibilidade do Mundo espelhar a realidade (não aquela a que vulgarmente se atribui esse nome, mas a ‘realidade real’), diria que tudo o que a molda é, inelutavelmente, ímpar.