8.1.14

Escolhido

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Perguntou: “para se ser herói é preciso estar morto?” Respondeu com outra pergunta: “para se ser respeitado é preciso estar morto?”
Os que ficam para contar a história aos vindouros precisam do cimento dos heróis. É mais fácil endeusar heróis que tiveram o seu passamento. Prosseguiu: “não achas que a vã glória dos que partiram é uma inominável infâmia à vida?” Respondeu com mais uma pergunta: “e a vida, aquela que é desaproveitada por tanta gente, não é a pior homenagem a si mesma?” De cada vez que uma figura ia em decesso, homenagens em catadupa. Daí, outra interrogação: “não perdemos o sentido da vida ao gastar tanto tempo com demorados tributos aos que morrem?” Mais uma pergunta em jeito de resposta: “não será porque tememos a morte e não queremos ser esquecidos, pelo menos nos momentos fúnebres logo a seguir ao passamento?”
Convergiram: procuramos um lugar para a nossa heroicidade. Não haverá ninguém que não reclame o seu pedaço de heroicidade. Nem que só irrompa à superfície, em quase unânime reconhecimento, quando já não podemos ser testemunhas presenciais do clamor e dos prantos que se montam à passagem do cortejo fúnebre. “Será mercê do uso estabelecido? Será que a não vassalagem, quando o corpo repousa em velório, é falta de respeito?” Às perguntas seguiram-se outras duas em jeito de réplica: “podemos ficar sitiados pelo marasmo das convenções? As convenções não mudam com a espuma do tempo?”
Há um caixão, ou um pequeno túmulo para depósito das cinzas, que é o mosteiro onde cada mortal repousa com direito a ser cortejado. Inutilmente cortejado. Do sítio onde se encontram, os mortais que vêm tal condição reconhecida estão num sono infinito, não podem ser testemunhas de nada. Os heróis somos nós, os que vão aos funerais: vemos, numa retrospetiva antes do tempo, o nosso próprio funeral. Passamos de boca em boca, através das gerações, o efémero endeusamento dos que partiram do lugar os vivos. Mandamos dizer que eles são heróis, esperando pela nossa vez de sermos consagrados heróis.
Houvesse quem ensinasse a efémera, inútil condição dos heróis. Fazendo lembrar a espuma inconsistente que as marés vivas depositam na orla, a tão frágil espuma que se esmigalha com a – tímida que seja – brisa. 

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