6.2.14

Arroz queimado

In http://arcadenoe.sapo.pt/img/race/big_727.jpg
A espuma que vem, outra vez, à tona: dizem que a “socialização” dos neófitos estudantes é primária, violenta, humilhante, degradante, e mais um punhado de adjetivos nada elogiosos. Como desta vez se suspeita que mortos havidos se devem a boçais praxes, o assunto voltou a ter visibilidade. Os campos dividem-se. Há quem exija a proibição da coisa. Há quem mantenha os pés firmes na “tradição” e recuse o proibicionismo.
Primeiro: os alunos que entram na universidade são maiores de idade. Sabem cuidar de si. Têm – ou devem ter – vontade própria. Se forem o protótipo da pessoa comum, não gostam de ser humilhados, não são subservientes, não querem ser as figuras circenses que põem nos outros uma farta gargalhada. Cabe-lhes recusar o anacronismo e denunciar ameaças de estigmatização por serem objetores de consciência.
Segundo: os aduladores da praxe insistem na javardice, estimulam práticas que são retrocesso cognitivo, contentam-se com a humilhação do outro, cultivam uma relação social medieval baseada em castas. Não é coisa que seja digna para quem julga a indignidade da coisa. Aparentemente, ainda vivemos num lugar onde é permitida a divergência de opiniões. Se há jovens e menos jovens que se entretêm a “socializar” outros, entregues a um onanismo intelectual que podia ser objeto de estudo de psiquiatras, deixá-los ser e deixá-los estar. A imbecilidade não é proibida por lei.
Terceiro: estou cansado de proibições. Esta democracia adultera-se a cada passo que julga poder resolver problemas através de um cardápio interminável de proibições. Legisla-se ao menor frémito e, de caminho, a legislação contempla proibições a eito (ou autorizações dependentes das autoridades, só para enfatizar o poder das autoridades – numa forma suave de proibir, que é exigir que se peça autorização). As “praxes académicas” causam-me náuseas. Mas pior seria proibi-las por lei. Também não gosto de touradas, ou de concertos do David Fonseca; tenho bom remédio: não vou a touradas nem me apoquento com concertos do David Fonseca. Era o que mais faltava aparecer condoído a exigir uma lei que os proibisse.
A estética é tudo, e muito relativa. A anti-estética das coisas também. Há gente que se denuncia pelas pessoais preferências e pelas palavras e atos que são suas. Não é isto moralismo em germinação. Quem não gostar de praxes, desvie o olhar – ou anote-as com cuidado, só para perceber a indigência em que certa gente se encerra. Apetecia pressagiar que os praxistas fossem praxados. A medieval hierarquia, e a coisa na sua essência, não o admitem. A vingança espera-os em sua glacial temperatura, contudo. Quando os mais veteranos decidirem deixar de gastar dinheiro dos progenitores e concluírem os estudos, a selva do trabalho (ou do desemprego) está à espera deles. Para a invisível e a pior de todas as praxes.

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