27.2.14

Das cunhas

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Ligações privilegiadas. Duas pancadinhas nas costas, que tudo se resolve. Amiguismo e seguidismo. Portas que se entreabrem se houver conhecimentos certos no lugar certo e no tempo que interessa. Às vezes, quando as pessoas não chegam para destravar a decisão que se deseja, o dinheiro corre debaixo da mesa. Outras vezes, fica-se a dever favores que o futuro tratará de reivindicar. Também há quem suponha que as leis só são cumpridas pelos ingénuos e os que não têm conhecimentos que desatam os nós apropriados, e que dois dedos de conversa, da amena cavaqueira, resolvem impasses da lei que é sempre um estorvo quando nos penaliza se a não respeitarmos.
Cunhas, há-as para tudo e mais alguma coisa. Dizem que é uma doença moderna. Só que se cuida de ver nela uma moléstia ancestral. Talvez as cunhas se inspirem na católica propensão para as rezas aos santos certos na ânsia da obtenção de certas comendas. Milagres ou não, intercede-se junto do altíssimo através dos seus peões que são o vasto exército de santidades com direito a sagração popular. O tráfico de influências terá sido inventado por contágio desta católica forma de ser.
Os crentes entregam-se nas mãos dos santos da devoção. Pedem milagres, ou a satisfação de empreitadas que julgam estar fora da suas mãos. Metem uma cunha a um santo que foi eficaz na satisfação das encomendas. E prometem as pagas que julgam adequadas, para não ficarem reféns de outra doença contemporânea que é a ingratidão. Ou para o santo da devoção anotar num caderninho as promessas que foram satisfeitas, não fique futuro pedido de concessão de graças hipotecado pelo esquecimento. Os santos assim demandados são os recetores de influências. Levam-nas à consideração divina, o juiz supremo da concessão das graças. Sobra, depois, o favor por compensar na forma das penitências prometidas em caso de cumprimento das graças pedidas. Nas cunhas terrenas, também há a paga de favores quando quem as pede mais tarde ganha posição de as satisfazer. E também há uma paga mais material, com caixas de vinhos gourmet, galinhas (vivas) para o arroz de sarrabulho, robalos (cadáveres) para o forno, gravatas dispendiosas, canetas de escol, etc.
Os poderosos (ou os que à sua roda gravitam, ou os que o aspiram a ser) que apascentam influências são como os santinhos da devoção: desmultiplicam-se em generosos dádivas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Óptima metáfora!