18.4.14

Vertigem

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Um pé alto contra o precipício. A coragem toda embainhada num golpe. A duração do tempo não pode nada contra os esteios da fragilidade. Que se fortalecem nas faldas da própria fragilidade. A qualquer momento, é como se o chão pudesse sumir-se debaixo dos pés.
Esta angústia é insuportável. E, todavia, é esta insuportável angústia que torna suportável a existência. Pois se vertigens não houvesse, e se os pés se achassem numa hibernação sem fim, só tínhamos monotonia por todos os lados, tudo igual e sem chama, como se todas as iguarias viessem embalsamadas por insípidos cozinheiros. As vertigens são uma prova de vida. São elas que, ao mesmo tempo, trazem o coração ao pé da boca e conferem o sal da existência. Há atalhos que evitam os promontórios onde os pés se aventuram contra as algemas do tempo envidraçado. Atalhos que previnem as vertigens que podem roubar o equilíbrio, o corpo depois entregue ao vazio do precipício. Mas esse atalhos são a confissão das facilidades. Um espírito exigente não empresta as chaves às facilidades. Denuncia-as. Cristaliza-as num emparedado de onde não se possam soltar. Pois o vício das vertigens é uma droga dura, irremediável, refrigerante.
Por isso é que os olhos não têm olhos senão para os alcantilados de onde sopram os ventos tempestuosos, onde a chuva amacia o espírito, onde as pedras pontiagudas adestram os pés até que, na fina embocadura da serrania, com o precipício a bordejar as duas veredas, avancem destemidos e se embriaguem com o ar fresco com que as divindades escondidas nas montanhas agraciam quem por lá for à aventura. Até que o corpo seja mestre no equilíbrio precário e os desfiladeiros não sejam paragens temidas. As vertigens não hão de deixar de ser vertigens. Quando o corpo regressar às planícies, então imperador dos promontórios recusados pelo comum dos mortais, já não se intimida com o bulício das grandes cidades.
O tirocínio teve seu espartilho no rarefeito ar das serranias. Onde os olhos, para afastar os corvos negros que não paravam de adejar como cangalheiros da eterna desdita, se debruçam, temerários, sobre os precipícios medonhos. Como arte do necessário tirocínio para o que de mau houver de chegar.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

“Ora, onde mora o perigo
É lá que também cresce
O que salva”
[vertiginosamente frágil]
(Friedrich Hölderlin