6.6.14

Ir a jogo

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Não é como a roleta russa. Mas é temerário na mesma. Um tiro no escuro, não sabendo da textura do labirinto por onde ecoa a bala, ou se ela pode fazer ricochete e regressar ao remetente. Não domina todas as variáveis. Teve conselhos de gente sensata, gente que mede todos os passos que dá e só os dá quando dão aval sem temor de represálias. Teve conselhos que eram  desaprovação da ousadia. Diziam, os precatados, que podia ser vítima da sua precipitação, algoz de si mesmo. Depois, não podia remediar o terreno minado que passaria a ser seu chão.
Todavia, não se acomodava com a monotonia das decisões sem risco. Concedia: eram as decisões racionais, mas o nutriente da existência não se aloja na repetitiva safra dos atos coreografados na precisão de um estirador. Por isso sempre foi um doidivanas. Não se lhe conhecia rumo certo. Porque não queria ser refém do previsível. Não queria que o tempo viesse tingido pela desconsolada iteração. Costumava dizer aos mais próximos que a monotonia era um punhal cravado fundo na carne, um golpe excruciante. Preferia a errância, um nomadismo nem que o corpo não saísse da cidade por longas temporadas. O pensamento emalava os pertences e demandava distantes paragens. Era pior. Quando o pensamento voltava a aterrar e notava que não tinha saído do mesmo sítio, a angústia subia célere pelas paredes encardidas e mandava descer o tempo plúmbeo sobre o horizonte.
Um dia haveria de vir a resolução destemida. Era como advertiam os mais próximos: era um tiro no escuro. Descontava os piores efeitos que podiam vir doravante. O mal maior seria regressar à casa da partida e aprender a conviver com a história do tempo desperdiçado. Estava a precisar de ir, nem que às escuras fosse. Era tempo de ir a jogo. Sem as peias da cosmovisão ensaiada na estreiteza do pensamento fértil. A inércia – jogada em alternativa, todavia vedada – era uma carta fora do baralho. As outras eram todas uma incógnita.
Ali estava, deposto perante a eventualidade do porvir, em pose de cabra cega, nas mãos do que houvesse de vir.

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