30.6.14

O homem do mar

Heróis do Mar, "Brava Dança dos Heróis", in https://www.youtube.com/watch?v=L3usgFY8sSA
O mar como chamamento. Não importa como estejam compostas as águas. Não importa se faz tempestade, ou se veio o tempo amainado. O espelho de água que se perde no horizonte é o prolongamento da terra, o espaço natural por onde os pés deviam caminhar. E caminham.
Os olhos não se perdem na finitude do chão onde repousam os pés. Dirigem-se para a profundidade do mar por diante, perdem-se na vastidão que é o mar – pelo menos ao que o olhar alcança. Por isso, um chamamento. Pois aos olhos convoca-se a imaginação. Eles navegam nas águas mansas, ou são aventureiros em imaginadas embarcações e não se atemorizam com o mar encapelado que arqueja da tempestade. Deitam-se ao mar, os olhos. E depois fecham-se sobre as suas pálpebras. Para fazerem voar o corpo que é seu numa rasante às ondas que se encavalitam na espessura do mar indomável. Pois esses olhos querem ser tutores de um pensamento indomável. Como o mar, que é seu chamamento. Sulcam as águas sem rumo alinhavado. A errância é o que os espera. E nem assim se atemorizam.
Podiam a letargia dos dias e as impenitentes convenções estabelecidas ciciar que tamanha empreitada é arriscada, que pode estar fadada à desgraça. Nem assim se demovem os olhos afortunados. Vão no engodo das correntes marítimas. Esboçam coreografias ousadas enquanto cavalgam a fúria das ondas que se enquistam, medonhas, no meio do mar alto enquanto os ventos do furacão sibilam. Nem assim se demovem. Nem quando a tempestade agiganta o mar e ele se transfigura num Adamastor enfurecido que ameaça tudo terminar. Os olhos, navegantes amadores, sabem que as ondas enraivecidas não duram para sempre. Sabem que o chamamento do mar não é espúrio. Persistem. Desafiam os sótãos de onde assomam fictícios abutres na demanda pela catástrofe. Mas não há catástrofe. Porque tudo é harmonia no mar. O homem, que é do mar, sabe-o melhor do que ninguém. Por isso se entronizou embaixador do mar. E fala por ele. Guardando os segredos que importa esconder. E deixando à mostra os segredos que não comprometem o sortilégio do mar.
O homem do mar é, na sua pequena estatura, a imagem da imensidão do mar.

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