11.7.14

O observador acidental

In http://www.samael.org/idiomas/portugues/paginas/2_compendio_doctrinario/2-revolucion_psicologia/img/observador_observado.jpg
É como um espetador de uma peça de teatro. O palco é sempre à sua volta. Os atores são-no sem o saberem, pois é ele, observador acidental, que os arregimenta como tal. O observador acidental pretendia que as coisas fossem diferentes no seu temperamento. Tomara fosse distraído, que as elucubrações à sua volta não percutissem no ouvido e não produzissem ondas telúricas até ao pensamento. Mas a rua é fértil. É na rua que andam as pessoas que, seres pensantes, são ricas em conhecimento. Ah!, o que se aprende na rua quando nela anda gente que vocifera.
São as mulheres de limpeza que discutem a crise financeira e confundem o banco em crise com outro que o não está. São as miúdas em fim de escola que praticam um idioma diferente de se entender, o que talvez explique que uma delas ignore o que quer dizer “vulnerável”. Ou as outras, góticas, um pouco mais acima, que puxam lustro à rebeldia que nelas se embebe e ajuízam uma solução violenta contra a violência das injustiças que se abatem sobre os desvalidos. Ou os velhos sentados que desafiam a sonolência quando passa um preto dandy envergando catita fatiota e chapéu de coco, acintosamente comentando que aos pretos também é permitido vestirem-se “como gente”. Ou a rapariga que mantém audível conversa ao telefone, dizendo para quem a quer ouvir que é filha de pais divorciados e que o progenitor vai deixar a progenitora à míngua de assistência financeira. Ou uma brasileira que conta ao companheiro de viagem como foi maltratada pelo anterior consorte, que nem num arroubo cavalheiro lhe deixou a cama para pernoitar, deixando-lhe um sofá espatifado para acordar com terríveis dores nas costas.
As pessoas em redor do observador acidental falam alto quando falam com quem as ouve. Não sabe, o observador acidental, se é distração ou se o fazem com intenção. Não percebem, os atores involuntários, que se trazem para uma praça pública desnecessária. É quando o observador intui: oxalá não fosse observador acidental. Pois deplora a posição de arrogância intelectual a que se eleva, ele que tanto repudia o moralismo.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não se trata de um observador acidental mas sim de um cândido transeunte. Maquiavel facilmente urdiria uma profusa teia exploratória de tais debilidades, reveladas com tanta leviandade.

A moralidade fá-lo assistir, enquanto a malícia exigiria intervenção. A esterilidade dos escrúpulos versus a possibilidade amoral de conseguir proveitos. Hummm... como decidir?

Nautilus