23.9.14

Destruição criativa

Pond, "Aloneaflameaflower", in https://www.youtube.com/watch?v=LbODngNdZF8
- Ouvi falar em destruição criativa. Somos reféns de paradoxos?
- Tudo tem um contexto. Não podemos ficar presos à literalidade das palavras.
- Mas tu és da área. Como se pode conceber que da destruição, em vez do caos, venha a criação?
- Queres falar de ciência, ou transitar pela linguagem das metáforas?
- Não entendo. Pensei que fosses arrematar a conversa pelos cânones da tua especialidade.
- Mas isto transcende qualquer ciência.
- Não percebo.
- Pois não nos é dado, na rotina da existência diária, a esmagar o que temos por adquirido quando esse adquirido nos desassossega, quando por ele trazemos um rosto sombrio e andamos sonâmbulos pelas algemas do pesar?
- O que me dizes deixa-me inquieto...
- Digo-te que, às vezes, temos de renegar quase tudo. Que essa é uma condição para a reinvenção do ser, ou deixamos de ser e entramos num pântano que devora as forças. E vegetamos, só vegetamos.
- Se é assim com indivíduos, assim será com sociedades?
- E que mais não são as sociedades do que o somatório de todas as vontades individuais, umas alcançando mais protagonismo que outras?
- Como sabemos que um dado momento é a circunstância da destruição criativa?
- Quando as interrogações fervilham e as respostas são nutriente de mais interrogações ainda. Quando parece que não chega a haver alvorada. Quando os pássaros se despojam do canto. Quando os fogos consumiram as serranias que os olhos avistam e a aridez magoa. Quando os pés sangram por serem açoitados pelas pedras que enxameiam o caminho por onde seguem. Quando a canseira é tanta e o sono teima em ser contumaz. Quando o corpo pede outra geografia.
- Então diz-me: que fazemos quando o apelo da destruição criativa falar tão alto?
- Criamos destruição. Seletiva. Ou, em momentos de refundação imperativa, devastadora, sem anelar exceções. Destruímos o que estava criado para do caos salvífico renascer um impulso de criação.

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