17.11.14

O senhor Sidónio Palhares fez uma OPA às esmolas da corte

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Sete cães a um osso – diz o povo, quando a concorrência entre os pretendentes a uma coisa qualquer é tanta que logo torna a coisa apetecível. E quando há sete cães ao osso, não se joga no tabuleiro da cortesia. A concorrência afivela os sentimentos selvagens que percorrem o instinto da gente. Vale tudo, menos os escrúpulos.
Sidónio Palhares ensaiou estes pensamentos dispersos quando, na soleira da porta onde pedia esmola aos transeuntes, lia o jornal gratuito que recolhera na estação do metro. Ele havia tanta gente a querer comprar a PT que ela devia ser mesmo valiosa. Uma espécie de joia da coroa, ou rapariga tão voluptuosa que muitos a queriam ter. Na página seguinte, Sidónio Palhares leu que alguns senhores bem pensantes estavam indignados – que não tinha jeito perdermos uma joia da coroa, que o governos estava mancomunado com interesses económicos estrangeiros, que o governo era traidor à pátria por querer vender coisas tão valedouras a preço de saldo.
O senhor Palhares voltou aos pensamentos iniciais, porventura lembrando-se dos tempos áureos em que fora professor e ensinara princípios de filosofia aos petizes. Agora, tudo era diferente: os andrajos que o protegiam da invernia, a barba descuidada, o cabelo desgrenhado, as botas rotas, a fome atalhada quando calhava, o sono ao relento sob a proteção de um cobertor de cartões – era a sua condição. Virou pedinte, não teve outra solução. Uma série de infaustos acontecimentos fez com que nem a família quisesse saber dele. Estava sozinho no mundo, imerso na profunda miséria.
No dia seguinte, foi à sede da PT. Vinha apresentar uma OPA à PT. Na portaria, chamaram os seguranças para meter o senhor Sidónio Palhares na rua e, assim, na ordem. Ele esbracejava, berrando que tinha no bolso da gabardine encardida as garantias bancárias que se exigiam para registar a operação. Para não perder a paciência, um dos gorilas foi ao bolso da gabardina e tirou um papel amarrotado. “É isso, é isso! Veja esse documento!”, disparou, excitado, o senhor Palhares. Vinha lá tudo. Um banco árabe passara uma garantia a confirmar que o senhor Sidónio Palhares, mendigo ali presente na sumptuosidade dos seus andrajos, queria comprar a PT. Por uns milhões largos de euros. Toda a gente ficou apreensiva. Não sabiam se haviam de levar a sério o papel, se deviam desconfiar em Sidónio Palhares, ou se deviam metê-lo na vara de sete gumes onde já estavam os sete cães dispostos a roer o osso.
O caso fez notícia. O senhor Palhares continuou a ser quem era, a aparecer como era, andrajoso, esfaimado, melancólico, sujo. E um dos pretendentes à joia da coroa.

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