23.1.15

A cadeira sem fundo

Arctic Monkeys, "Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair", in https://www.youtube.com/watch?v=h1vYbHHhqYE    
Era um convite amável. Para uma conversa daquelas que prometem. Foi ao lugar combinado. Não estava ninguém. Só uma cadeira no meio de uma sala vazia. E uma janela, para espreitar o bulício da cidade, lá fora. À hora combinada, continuava sozinho na sala. O interlocutor estava atrasado. A ver pela azáfama lá fora, pelos automóveis fazendo torniquete na rua apertada, o atraso era dado como certo. O tempo foi passando. O entardecer chegava, com a luz diurna a desmaiar no esgar deitado pelo horizonte à frente da janela. Já passava quase uma hora da hora marcada. Não havia vivalma no edifício. Nem novas de quem prometera uma conversa promissora.
A penumbra levou o dia embora. O quarto não tinha luz. As paredes não tinham interruptores, sequer. Parecia que o quarto fora feito como cárcere, para aprisionar o seu hóspede na temível escuridão adestrada pela deposição da luz diurna. A cadeira continuava imóvel. Uma almofada lilás na cadeira convidava ao descanso. Já passara um par de horas à espera e a motivação da conversa que se prometia tão nutrida não dera descanso às pernas. Continuava de pé, em constantes deambulações da janela para o interior do quarto e de volta à janela, com metódicas paragens a esquadrinhar as porosidades das paredes. Treinando a conversa que era promissora. As pernas não davam sinal de cansaço.
Três horas de atraso. E nem notícia de ninguém. Se o interlocutor não podia vir ao encontro, ao menos que tivesse mandado alguém para dar o recado. Arrependera-se de não terem trocado números de telefone. Não estavam contactáveis. Em vez de desistir e sair do quarto com o logro do silêncio, teimava na espera. Podia ser que alguém viesse...
Até que o cansaço juntou-se à fome. Já devia ser hora do jantar – e, ato contínuo, olhou para o relógio. (Evitara olhá-lo nas horas anteriores, para não se dececionar com o tamanho do atraso.) Tomou uma resolução: eram quase nove horas, ia esperar até às dez. Até lá, ficaria à espera sentado na cadeira. A desistência do pleito já começava a germinar. Foi em direção à cadeira. Sentou-se. A almofada lilás escondia a cadeira em falso, sem fundo. Caiu desamparado no chão. Afinal, tudo aquilo não passara de uma urdidura.
Da próxima vez, não se deixaria enfeitiçar pelas promessas de uma conversa promissora. Pois há cadeiras que, em não parecendo, têm um fundo falso.

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