16.2.15

Sushi e vinho tinto

Twin Shadow, “Slow”, in https://www.youtube.com/watch?v=hyO7P6LE7nA    
O dia dos namorados. Fixou-se no calendário a celebração do amor que enlaça dois enamorados. Um único dia no ano. Como se nos restantes trezentos e sessenta e quatro dias o amor tivesse um destino banal. Diz-se acontecer com frequência. Quando se confunde com habituação. A páginas tantas, a habituação começa a fermentar a intolerância ao outro que vive debaixo do mesmo teto. Mas continuam a achar que vivem em amor, mesmo que depois venha a agressividade, o desafeto, a lonjura e a irritabilidade à fala do outro. Agora percebo: talvez seja melhor a lembrança, ao décimo quarto dia de fevereiro, de que é o dia para se hastearem as bandeiras do amor. Mais vale um dia no ano.
Tenho alguma ambivalência em relação à efeméride. Não dando para o peditório dos castrenses anticapitalistas, não vejo a utilidade da celebração. A lembrança do dia, quando no resto do tempo o amor anda rarefeito, é uma hipocrisia latente. O amor não devia merecer dia no calendário, pois é atirado para um lugar banal no resto do tempo que medeia dois dias dos namorados. As coisas importantes da vida não deviam ter lugar no calendário. Deviam ser uma celebração perene. Por outro lado, entendo o argumento capitalista do acontecimento. É uma forma de dinamizar os negócios. O que, em tempos de crise e de economia anémica, é de uma urgência iniludível. E, dando corpo ao irremediável espírito de contradição, só por me saber do lado contrário dos bestuntos sacerdotes das conspirações anticapitalistas, não sou apóstata do dia dos namorados.
Correndo o risco de meter a agulha pelo diapasão do moralismo (hipótese que me inquieta), o kitsch de ofertar chocolates, perfumes, flores com um poema tomado de empréstimo de um poeta lamechas, uma joia que inebria, um jantar num restaurante à média luz onde só têm lugar mesas para dois enfeitadas com velas que se acham o cenário de um pedaço romântico, ou (o que parece ter virado modismo) corresponder a curiosidade sadomasoquista de um dos consortes – tudo isto parece dispensável para celebrar o que, no dia que vem depois, ganha outra vez foros de banalidade. Mas cada um sabe da sua vidinha.
Antes um sushi com vinho tinto, ementa escolhida a preceito de um jantar igual aos outros, aos outros jantares em que o amor não se esconde dos seus intérpretes. Sem ser necessário lembrar que o décimo quarto dia de fevereiro é o dia inventado para os enamorados se lembrarem de que o são.

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