12.3.15

Da espessura dos adiamentos


All We Are, “Keep Me Alive”, in https://www.youtube.com/watch?v=_s6Sx4POl3k    
Podemos falar do tempo que não conhecemos sem empregar a palavra tempo?
Uma miríade de estrelas espreita num oráculo que se revela no fundo de um poço. A menina, a medo, deita o olhar para as profundezas onde o oráculo boia na água sobrante. A curiosidade levita: que objeto será aquele, naufragado na água lamacenta que é o fundo do poço? A custo, consegue ver as estrelas que tremeluzem no vidro claro do oráculo. As estrelas ensaiam uma coreografia que procura dizer algo. A menina acha que consegue decifrar os sinais das estrelas dançantes, que consegue traduzir a coreografia em palavras dizíveis. Debruçada sobre o umbral do muro que delimita o poço, acumula mentalmente as letras que julga sobejarem dos lampejos de dança das estrelas diuturnas. Cinco linhas de pensamento acomodaram as letras todas numa frase inteligível:
não adies o tempo que te vem parar às mãos. Não adies as alvoradas frescas na hipoteca dos sobressaltos. Entrega-te ao tempo que tem engenho, o presente que seduz o porvir. Os riscos ficam para quem esbraceja na inércia. São prisioneiros do tempo, vítimas dos adiamentos por eles próprios adestrados. 
A menina queria recolher o oráculo em seus braços. Não se podia inclinar mais. Podia cair nas funduras do poço e ali ficar, esquecida por toda a gente, esquecida de toda a gente. Voltou para casa. Eram cinco frases, cinquenta palavras – coisa muita; mas conseguiu decorar tudo, e esse tudo estava constantemente a ciciar ao ouvido, como se alguém com ela fizesse o caminho de volta a casa. Ao jantar, não falou. Julgavam que estava doente. Desmentiu as preocupações. Mas não se descaiu. Não contou a ninguém que o oráculo perdido no fundo do poço sussurrara, mediante paços de dança das estrelas fecundas, o segredo que denuncia a obediência aos adiamentos.
Julgava que tinha o maior segredo do universo entre as mãos. Anos depois, entrada na madurez, percebeu que tanta outra gente recebeu a profecia do oráculo (na sua omnipresença). E soube que poucos foram os que souberam resguardar a lição no regaço. A tirania dos adiamentos era de uma matéria espessa, impenetrável. E as pessoas sucumbiam, adiavam-se a si mesmas. 

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