11.3.15

Um desprendimento monástico

Osso Vaidoso, “Elogio da pobreza”, in https://www.youtube.com/watch?v=eA32AyqG9mQ
Nas tintas para a riqueza, essa palavra vã e, todavia, endeusada pela gente comum. Tantos havia que muito faziam para terem um bocado mais de abastança. Nem que hipotecassem a dignidade e, a certa altura, a palavra dignidade deixasse de ser inteligível. Para ele, os bens materiais não tinham valor intrínseco. Desprezava-os. A eles e às mundanas coisas que os cultores da modernidade doutrinaram como essenciais à pessoa.
Não tinha luz em casa. Nem água. O espaço dantes reservado à casa de banho fora ocupado por um pequeno laboratório de ideias onde os livros bolorentos açambarcaram o exíguo espaço. Não comprava roupas desde que se dedicou à espartana forma de estar. Não comprava comida; vivia das sobras dos restaurantes onde mendigava. Não ia ao médico – mas não se lhe conheciam achaques. Não queria saber do vil metal; não tinha conta bancária, nem porta-moedas, nem carteira para guardar notas. Também não tinha documentos pessoais, pois julgava que uma pessoa não se pode empenhar a uma país que os emite.
No inverno, quando o frio e a neve tomavam conta da cidade por uma época considerável, a falta de luz embargava o aquecimento da casa. Abastecia-se de cobertores velhos dispensados pelo hospital e fazia sucessivas camadas que enganassem a invernia. Quando o olfato protestava contra os odores corporais já insuportáveis, banhava-se numa fonte cêntrica quando a madrugada fosse alta (e desde que não fosse inverno). Não sabia o que eram lojas, restaurantes, teatros ou salas de concerto, nem alguma vez entrara numa galeria de arte. Nem igrejas. Não regateava crenças religiosas; o agnosticismo nem sequer admitia o reconhecimento de fé alguma ou de uma divindade fazendo as vezes de timoneira das almas.
Os homens de negócios aprumados nos seus dispendiosos fatos, com gravatas de seda a preceito, era como se fossem homens invisíveis quando se cruzavam com ele. Nem ele os via, nem os executivos tomavam como digna a existência maltrapilha que deixava atrás de si um cheiro fétido. Não fosse o agnosticismo, dir-se-ia que o eremita era um monge refugiado num castelo só dele bem no meio da cidade. Mas um dia, ao vasculhar o lixo à procura de coisas úteis, descobriu uma mala de executivo cheia de notas. Alguém a perdera a caminho do banco, ou era dinheiro sujo deitado fora por causa de perseguição do polícia. Contou as notas, enquanto se escondia num beco perto daquele lugar. Tomou uma resolução: tomaria posse de toda aquela fortuna.
Três meses depois, entrava todas as manhãs na bolsa de valores para transacionar ações cotadas.

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