6.7.15

Três dioptrias e meia (efabulações sobre a “verdade”)

Nine Inch Nails, “Terrible Lie” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=sTrVmqrf_1k
Nestes tempos atribulados, em que há antípodas que chocam como rochedos estrepitosos, as ideias abraçam-se ao ponto cardeal do radicalismo. No radicalismo, desvalorizam-se as ideias que vêm de frente contra as que julgamos incontestáveis. Nesta maceração de ideias sem rival, há quem não esconda um certo primitivismo na palavra (e até, às vezes, na ação). A verdade é arregimentada ao sabor das conveniências. Tantas vezes ela é o selo que mata uma conversa: é quando se assevera “a verdade é que...”. Fim de conversa. Quando alguém puxa os galões ao que determina como verdade, dá como impossível de verificação a verdade solfejada pelo adversário. Essa verdade, por impossível sê-lo, é logo atirada para a mentira. E o adversário, de caminho, ganha foros de inimigo.
A verdade é uma grande mentira. Porque ela não se pode absolutizar. E ainda bem. Ou teríamos a grilheta do pensamento único, sem possibilidade de divergência, as dissensões logo apedrejadas pelos solenes protetores da única verdade admitida – “a verdade”. Temos de aprender a conviver com os diferentes de nós. E a parar de lhes impor uma verdade que talvez sirva os cânones por onde nos movemos, que são diferentes dos que servem de bússola a quem se revê em ideias (e não em verdades) que não reproduzem as nossas.
Uma verdade só o é a partir do lugar em que nos encontramos. Pessoas em quadrantes diferentes, ocupando lugares diversos dos nossos, olham para os fenómenos com uma lente diferente. Têm pressupostos diferentes, um raciocínio que pode obedecer a critérios que nos são desconhecidos, e chegam a conclusões que sedimentam uma ideia (mas não uma verdade) que não se revê na nossa.
Como a verdade só existe dentro deste quadro estreito, reclamar um exclusivo da verdade é uma estultícia que desmonta a verdade, que a desfaz a um nada muito mais promissor. Nem adianta reclamar que essa é “a nossa verdade”, como petição de princípio que admite uma “verdade” outra que venha alinhavada por outra medida. Pois em nós mesmos, não é possível garantir que “uma verdade” seja intemporal, que passe o exame do tempo e permaneça intacta na roda do tempo.
A verdade deve levar aspas. Ou carregar com o opróbrio da mentira em que se transfigura.

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