21.8.15

A modéstia dos grandes cozinheiros

The Stone Roses, “I Wanna Be Adored”, in https://www.youtube.com/watch?v=4D2qcbu26gs
Um grande cozinheiro ensina a confecionar uma iguaria. Narra o vade-mécum para a câmara que o filma que por sua vez grava as imagens que hão de chegar aos telespetadores. Normalmente os grandes cozinheiros fazem uma narração arrebatada. Transpiram paixão ao fazerem o que fazem. No fim do processo criativo, o derradeiro momento de êxtase: é quando inauguram a iguaria ao mergulharem um pedaço dela no sentido gustativo. Não poupam nos encómios. A descrição dos sentidos, quando o paladar marca encontro com a iguaria recém-criada, é profusa nos adjetivos que a qualificam como proeza. Nota-se a imodéstia. Os grandes cozinheiros parecem ter uma queda para o onanismo de si mesmos.
Não ponho em dúvida as credenciais dos famosos cozinheiros. Assim como assim, se a fama chegou ao seu alpendre é porque fizeram por a merecer. Não se engana uma multidão quando toca a dourar o sentido gustativo de quem tem prazer em apreciar a boa cozinha. (A menos que o poder dos modismos explique a ilusão em que maceram as multidões de aficionados.) Um detalhe preenche os requisitos da imodéstia dos grandes cozinheiros: quando provam as iguarias que acabaram de criar, tudo está perfeito. Não há nenhum porém, nenhum aperfeiçoamento que pudesse ser feito ao cozinhado, nem dois milímetros de sal a menos, ou um pouco de consistência do preparado a mais. Para além de onanistas de si mesmos, os grandes cozinheiros são o sucedâneo contemporâneo dos deuses.
Cometo a ousadia de me comparar com os grandes cozinheiros – tarefa não tão impossível como parece, pois com a democratização da grande cozinha e com a miríade de gente empurrada para a criação gastronómica, em cada cozinheiro há um aspirante a grande cozinheiro. Descontado o pessoal quinhão de imodéstia, nas criações culinárias da minha gesta tenho sempre muitas dúvidas quando chega o momento de as provar. Sou o meu principal crítico. O preparado podia estar melhor. Sempre.
Daqui tiro uma ilação: não tenho jeito para as genuflexões na própria pessoa. Nem propensão para gestos de auto deificação. Ou trata-se, apenas, de falta de autoconfiança.

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