14.8.15

Forasteiro em casa

Pond, “Giant Tortoise” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=N66b5BKagrc
Havemos de começar por este lugar. Pelo lugar que consideramos a nossa cidade. Somos nativos desse lugar. Pertencemos a ele – e a pertença tende a afirmar-se na exata proporção do tempo em que nele habitamos. Se nascemos e vivemos no mesmo lugar, julgamos ter credenciais de guia turístico caso elas venham a ser precisas. Se esta é a nossa cidade, dela temos conhecimento tão profundo como o que temos das nossas mãos.
As convenções podem ser adulteradas por um olhar que se detenha no vagar. Se a cidade é uma metrópole grande, não somos conhecedores de todas as ruas e vielas em que ela se estende. Podemos ser apanhados de surpresa no conhecimento – dir-se-ia tardio, não fosse a conclusão em si ser apressada, pois nada vem a destempo ao conhecimento. Descobrimos sítios onde nunca fôramos. Lugares que quase entram pelos olhos, lugares que já foram fronteiriços em anteriores visitas por lugares a eles limítrofes, mas que ficaram para outras núpcias ou apenas foram atirados para a irrelevância. Podem ser monumentos, talvez mais conhecidos pelos turistas do que dos nativos. Podem ser ruelas estreitas perdidas em bairros medievais. Podem ser jardins que são como uma varanda espraiada sobre o rio e de que já se ouvira falar, mas nunca a vontade se conjugou com o seu conhecimento.
É quando nos sentimos forasteiros na nossa cidade. Há uma teoria para este paradoxo do conhecimento. Quando nos sentimos edis da nossa cidade, porque sobre ela expiamos perfeito conhecimento, caímos na negligência. Ao contrário dos forasteiros, que soerguem a cabeça para corresponderem à sede de conhecimento do desconhecido, os nossos olhos não sobem além do enfiamento do olhar, paralelos ao chão que percorremos. Ao contrário dos forasteiros, não damos atenção à toponímia, ou às placas que indicam lugares turísticos, ou a detalhes belos de belos edifícios.
Passa-se o tempo e passamos ao lado de muitos ângulos da nossa cidade. Concluímos, a cada passo em que a redescobrimos, que andamos muito tempo a ser forasteiros dentro da nossa cidade.

1 comentário:

Museu Nacional de Soares dos Reis disse...

"Passa-se o tempo e passamos ao lado de muitos ângulos da nossa cidade".
Totalmente de acordo, contudo, é essencial manter a ideia "viva".
Obrigada!