28.8.15

O livro dos contos encantados


Antony and the Johnsons, “Mysteries of Love”, in https://www.youtube.com/watch?v=GEv1zxgZSxg
Vai às páginas deste livro. Do livro com folhas finas, como se fossem linho de primeira. Do livro com as páginas que não amarelecem, de tanto resplandecerem por serem lidas por ti. O livro que te respira, que contigo verte as lágrimas de suor que ficam embebidas na lombada – e, por isso, a lombada parece desgastada pelo tempo (fenómeno que tem o selo da normalidade). No livro, as palavras vêm vertidas com a suavidade do tempo. Adornadas pelo ouro que solfeja desde o interior, à medida que percorres as avenidas dedilhadas pelo autor. No fim de contas, o livro é uma coautoria. Escrito a duas mãos, em sintonia. Por vezes, regressa a páginas já visitadas. Escolhe-as ao acaso. Relê-as. Só para perceberes as frutas que amadureceram, para contrastares as melodias ciciadas dantes com as que ocupam o lugar no tempo em que essas páginas forem relidas. Faz anotações para memória futura. Escolhe as melhores histórias enquanto esperas pelas que vierem depois. Porque contos cheios de encanto hão de continuar a emoldurar o tempo de então, entoando frases quiméricas que chegam de mansinho à porta do ouvido. Contos cheios de encanto, para dissolver todo o vinagre que bolça de algures. Entretanto, o livro amontoa contos destes. As páginas não se cansam. Não escolhem tempos a preceito para irromperem entre as águas lodosas que estão em redor. As páginas transpiram o mel ávido que derrota as fronteiras inócuas do tempo repetido. Crescemos com as páginas bucólicas do livro. As suas páginas embebem-se num sortilégio: o de sermos nós suas musas e, ao mesmo tempo, os únicos a quem aproveita os contos fantásticos lidos nas suas letras douradas. Se cheirares as páginas deste livro, notarás o cheiro nosso. Porque elas vêm de dentro das nossas veias, sob a batuta do sangue que pulsa num frémito e que é a febre que somos em uníssono. Este livro é um best seller. Feito de vírgulas pacientemente depositadas entre palavras que o instinto manda escolher a dedo. Um livro sem fim. Nem depois da finitude que as leis do universo mandam lavrar.

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