8.9.15

Antes bêbado (do que mal parido das ideias)

Mac Demarco, “Freaking Out the Neighbourhood”, in https://www.youtube.com/watch?v=_xEE_UY--ZM
Os refugiados da Síria continuam a entrar na Alemanha. Continuam a tirar partido do país que se pôs na vanguarda da generosidade imperativa perante a tragédia que empurra os refugiados para o exílio. Em reação, uns trauliteiros de direita estiolam teorias da conspiração: os terroristas meteram alguns dos seus entre os refugiados; divulgam-se panfletos (sem saber se a origem é fidedigna) dando conta que os terroristas de pior linhagem planeiam tomar conta da península ibérica em 2020; e protestam porque não damos atenção aos sem-abrigo indígenas, como se alguma vez tivessem sido sensíveis aos desvalidos em que esbarram todos os dias.
À esquerda, outros instruídos afiançam outros cenários fantasiosos: temos de estar de atalaia à generosidade dos alemães (quanto mais não seja, porque os alemães são sempre de desconfiar – como quem argumenta “sim, apenas porque sim”); atestam uma causalidade entre a exportação de armas para a Síria (dizem que a Alemanha é o maior exportador) e o fluxo de exilados sírios que aporta naquele país; asseguram que a boa vontade faz parte de uma estratégia para aproveitar futura mão-de-obra barata, dando ao mesmo tempo lições de microeconomia pois a entrada de tanta gente necessitada será um elemento de pressão sobre os salários, que tendem a baixar. Imputa-se a paternidade desta grande estratégia ao liberalismo (variando a acusação nas submodalidades de liberalismo, desde o neoliberalismo ao ultraliberalismo – desconhecendo que na Alemanha existe uma coisa chamada ordoliberalismo, com muitas diferenças em relação àquelas vituperadas submodalidades).
Os demenciais de direita que cerzem as suas convenientes ideias sobre o assunto não merecem que se perca três segundos com tempo de resposta, tamanho o asnear e a hipocrisia da turba. A confiar nos maniqueístas de esquerda, está tudo montado para o poder político ser instrumento dos abjetos interesses dos capitalistas. O costume. A confiar na elucubração, há gente que se quer aproveitar da tragédia dos refugiados para fazer lucro, muito lucro. Tudo fez parte de um plano pérfido: os alemães enviaram armas para as partes que se guerreiam na Síria, adivinhando que um êxodo se seguiria; anteciparam que outros países europeus seriam timoratos na hora de acolher tanta gente fugida da Síria; ato contínuo, apareceu o governo alemão a remar contra a maré, numa operação de relações públicas para compor a má imagem que andou a espalhar durante a crise da zona euro; em ato final da maquinação, os refugiados aceitarão trabalhar por salários miseráveis e os que já estão no mercado de trabalho serão forçados a emprestar a força de trabalho por salários mais baixos, mercê do equilíbrio para baixo causado pela súbita inserção de refugiados sírios naquele mercado.
É nestas alturas que me apetece acordar bêbado. E ficar bêbado o dia inteiro, imarcescível na mais profunda alienação de tudo. Prefiro a embriaguez a aceitar que há gente que ou labora na plena desonestidade intelectual, ou está sitiada num irremediável, mas contingente, pessimismo antropológico. (Contingente porque seletivo: vem ao de cima porque manifestações que podiam sinalizar otimismo antropológico vêm de quem não convém).
Antes bêbado, pois, do que mal parido das ideias.

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