2.9.15

Azulejos setecentistas

The Clash, “Straight to Hell”, in https://www.youtube.com/watch?v=u8u6t_nFufo
(Três variações sobre um mesmo cenário)
1. Não contava que dissesse que não. Não contava que não fosse decair perante os dotes de persuasão. Mais a mais, a demanda parecia lógica para os dois. Um daqueles casos em que todos ficam a ganhar. Mas o negócio não se fez. No último instante, depois de provisórios acordos sobre os termos da transação, ela recuou. Não providenciou justificações. Ele protestou. Invocou má fé, invocou a desonra da palavra – e sublinhou que a palavra dada valia mais do que um contrato (ainda por assinar). Ela não se demoveu. Sem pré-aviso, deixou-o pendurado no nada. Ele ainda teimou em querer uma explicação para a mudança de posição. Em vão.
2. Ele usou os dotes de retórica. Os dotes que faziam os mais chegados vociferar que ele estava destinado a ser vendedor. Aliás, julgava-se que era capaz de vender qualquer coisa, mesmo que fosse aparentada com a banha da cobra. Por um lado, conseguia arranjar interessados que roçavam o néscio. Por outro lado (e para ajudar), tinha o dom da palavra e uma argumentação convincente. Às vezes, convencia-se que não era um aldrabão e jurava, a pés juntos, que se estivesse na posição do comprador aceitava comprar o que ele tinha para vender. Daquela vez, encontrou a vítima perfeita. Ela não quis saber da linhagem do produto. Não negociou o preço – portanto, o lucro seria inesperadamente mais elevado. Pagou sem ver. Quando quis protestar pelo engodo em que caiu, já não o encontrou. Ele desaparecera do mapa.
3. Chegaram à fala por intermédio de terceira pessoa. Que sabia que ele tinha algo para vender e que o produto coincidia com o que ela andava à procura. Combinou-se o negócio. O intermediário exigiu comissão – no fundo, tinha facilitado a transação com os seus conhecimentos e diligências. Não se meteu no meio da negociação. Só queria o seu quando a venda se consumasse. O vendedor acertou com a compradora. Ela exigiu ver primeiro para depois pagar a preceito. Na sua boa fé, ele não desconfiou que ela estivesse de má fé. Ela ficou agrada com a qualidade do produto. Entregou-lhe um cheque em pagamento. Quando ele foi depositar o cheque, soube que a conta bancária deixara de existir três dias antes. Foi à procura da aldrabona. Em vão. Desaparecera do mapa. E o intermediário sofreu do mesmo mal (a comissão fora paga em cheque assinado pela compradora).

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